Fraude em venda de combustível usava empresas ‘barrigas de aluguel’



Alvos da 'Rosa dos Ventos' usavam distribuidoras de combustíveis em nome de 'laranjas' para sonegar tributos, que representam 33% do preço, gerando um rombo de R$ 3 bilhões






Ricardo Brandt e Fausto Macedo
16 Agosto 2017 | 05h00
O esquema de fraudes fiscais na comercialização de combustíveis, alvo da Operação Rosa dos Ventos, deflagrada pela Polícia Federal nesta terça-feira, 15, usava empresas chamadas de “barrigas de aluguel” para sonegar impostos e majorar os lucros com a venda de álcool. Onze firmas registradas em nome de “laranjas” foram identificadas – com um rombo de R$ 3 bilhões – e outras estão sob suspeita.

Documento

“Os investigados, valendo-se das falhas do sistema, criaram um gigantesco esquema montado para sonegar tributos e lavar dinheiro mediante a colocação de empresas em nome de ‘laranjas’, conhecidas no mercado como ‘barrigas de aluguel'”, afirma o delegado da PF Victor Hugo Rodrigues Alves Ferreira, no relatório que deflagrou a Rosa dos Ventos.

O líder do “gigantesco esquema de lavagem de dinheiro, evasão de divisas, crimes contra a ordem tributária” alvo central da Rosa dos Ventos é o empresário Micenio Rossi Neto, de Campinas (SP) – que está foragido. Ele e outros 23 pessoas tiveram prisão decretada pela 9ª Vara Federal. A detenções e buscas e apreensõres foram realizadas em São Paulo, Minas Gerais, Goiás e no Distrito Federal.
As investigações iniciaram em março de 2016, com a descoberta da fraude pela Receita na Euro Petróleo do Brasil, em 2013. A empresa é uma das 11  “barrigas de aluguél” usadas por Micenio. O empresário é suspeito de envolvimento em fraudes desde 2003, pelo menos. Em 2001, ele chegou a ser ouvido na CPI dos Combustíveis, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, como ‘representante da Exxel Distribuidora de Derivados de Petróleo Ltda. e da Terra Distribuidora’.
Esquema. As “barrigas de aluguel” alvo do esquema são distribuidoras de combustíveis colocadas em nome dos “laranjas”. Elas eram intermediárias na compra de etanol nas usinas para depois vendê-lo aos postos de gasolina sem recolher os tributos.
O esquema se valia do sistema tributário brasileiro, considerado pela PF “um terreno fértil para a prática de fraudes no setor de etanol por concentrar a cobrança dos tributos devidos pelos postos de gasolina nas distribuidoras”. “Diferentemente do setor de petróleo, que concentra a cobrança dos tributos devidos pelos postos de combustíveis e pelas distribuidoras nas refinarias.”
Enquanto nos derivados de petróleo a maior parte dos tributos é recolhida pelas refinarias, no etanol o recolhimento é feito em parte pelas usinas (cerca de 67%) e em parte nas distribuidoras (cerca de 33%)
“Com esta sistemática, a alta carga tributária que incide nas distribuidoras – de 33% do valor cobrado ao posto – faz com que o setor seja um terreno fértil para fraudes fiscais”, afirma o delegado Victor Hugo. A fraude envolve recolhimento de três tributos, PIS, COFINS e ICMS.

O delegado afirma que se uma refinaria de petróleo ou uma usina de açúcar e álcool sonegam tributos sua planta industrial poderá ser sequestrada para garantir o cumprimento de suas dívidas”.
“Uma distribuidora de combustível, no entanto, não precisa de grandes instalações para operar: uma sala, uma mesa, um computador, uma impressora e um telefone já são suficientes para começar um negócio, já que seu combustível pode ser armazenado em tanques de terceiros, que cedem sua capacidade de estocagem mediante pagamento. Ocorre que estes ‘terceiros’, muitas vezes, são na verdade as empresas ‘ostensivas’ do mesmo grupo econômico que colocou a distribuidora em nome de laranjas para sonegar tributos.”
O esquema garantia maiores lucros aos chefes, que vendem o combustível a preços mais baixos que os concorrentes, e o aumento de sua participação no mercado. “Agindo assim, o grupo econômico aufere lucros maiores e obtém vantagem competitiva no mercado diante das empresas que cumprem com suas obrigações perante o fisco.”

Fachada. As “barrigas de aluguel” são empresas de fachada consideradas “o cerne do esquema criminoso, que é todo estruturado em torno delas”, segundo a PF.
“A vida útil destas distribuidoras é curta, cerca de três ou quatro anos, tempo suficiente para que o Fisco confirme que a empresa não é apenas inadimplente e sim sonegadora”, informa o delegado. “Na maior parte das vezes, não é possível cobrar os tributos em razão da dificuldade de se vincular a distribuidora inidônea aos seus verdadeiros donos.”
“Elas têm sócios, capital social, sede e emitem nota fiscal discriminando os tributos devidos nas operações que, no entanto, jamais são recolhidos, nem o da distribuidora nem o dos postos, que foram descontados em regime de substituição tributária”, segundo o pedido de prisão.
“Até que a empresa seja autuada já se passaram anos de sua atividade e quando o Fisco busca garantir o pagamento da dívida não há bens para arrestar porque as empresas estão em nome de ‘laranjas’.”
Quando as “barriga de alguel” são identificadas, outras são criadas em seu lugar.
O delegado destaca que ao contrário do sonegador tradicional, que não emite nota, “os criminosos aqui investigados emitem a nota e não recolhem os tributos, usando da vantagem ilícita que tal conduta lhe proporciona para reduzir seus preços, aumentar seus lucros, e avançar sobre a concorrência de forma desleal”.
“Chega-se a vender o produto por valores impraticáveis para as empresas que operam na legalidade, geralmente abaixo do preço de custo.”
Rombo. O relatório da Rosa dos Ventos informa que “as várias empresas em nome de “laranjas” utilizadas pela organização criminosa ao longo dos anos devem mais de R$ 3 bilhões de reais aos cofres públicos, como mostram os documentos encaminhados pela Receita Federal e pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo”.
No documento, o delegado fez um comparativo: “Para se ter uma ideia do que isso representa, a dívida ativa e os créditos tributários já constituídos não definitivamente em nome das empresas abertas em nome de laranjas seria suficiente para construir 46.581 casas populares de 60m2 para a população de baixa renda”.
“Para chegar a este valor não fizemos nenhuma estimativa, apenas nos baseamos em informações contidas em documentos oficiais encaminhados pela Receita Federal e pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo que
dizem respeito aos autos de infração e à dívida ativa relativos às 11 empresas colocadas pela organização criminosa em nome de ‘laranjas’.”
Segundo a PF, “não estão computados os créditos contra as empresas ostensivas e contra as pessoas físicas dos investigados, nem contra outras empresas de ‘laranjas’ identificadas apenas no final desta fase das investigações”, nem o prejuízo causado “pela falsificação de títulos da dívida pública brasileira” nem o prejuízo causado ao País com o possível envio de pedras preciosas ao exterior, que são declaradas à Receita Federal por um real e negociadas em outros países por centenas de milhões de dólares”.
Para a polícia, o esquema descoberto na Rosa dos Ventos envolve “complexa trama empresarial que foi construída com o objetivo de proteger o patrimônio pessoal dos investigados e de inviabilizar a cobrança dos tributos por eles devidos”.
Um esquema criminoso que “vem perpetuando as fraudes ao longo do tempo e gerando gravíssimo prejuízo não apenas ao fisco, mas também à concorrência e à ordem econômica”.






“Miceno criou uma complexa engenharia societária para justificar e
proteger o patrimônio que amealhou com os crimes que cometeu e ainda vem cometendo, colocando várias empresas em nome de seus filhos Gustavo Amaral Rossi, Eduardo de Oliveira Rossi, Érika Amaral Rossi e de sua ex-esposa, Paula Ângela Amaral Cauduro.”
Com a prisão da maior parte dos envolvidos, a PF quer apurar a totalidade de “empresas abertas em nome de laranja que já serviram ao esquema” e ainda identificar “se houve participação de servidores públicos na prática dos crimes, o que parece provável”.


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