O Sucateamento da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo


Derly Barreto e Silva Filho
21 Agosto 2017 | 04h15
Atualmente, existem 344 cargos vagos de Procurador do Estado de São Paulo, 174 dos quais em razão de aposentadorias e exonerações. Uma vacância de 28,59% do quadro legal de 1.203 Advogados Públicos da unidade federativa que representa 32,12% do Produto Interno Bruto brasileiro (2015). E isto em que pese o art. 76, caput, da Lei Complementar nº 1.270, de 2015, da mesma forma que o revogado art. 49 da Lei Complementar nº 478, de 1986, estabelecer, de modo cogente, que “o ingresso na carreira de Procurador do Estado se dará mediante aprovação prévia em concurso público de provas e títulos, e será realizado quando houver, no mínimo, 20 (vinte) cargos vagos a serem preenchidos, mediante autorização do Governador do Estado”.
De acordo com a mensagem de encaminhamento do então Projeto de Lei Complementar nº 25, de 2013, à Assembleia Legislativa, que foi convertido na atual Lei Orgânica da Procuradoria Geral do Estado (PGE), o Governador propôs a criação de 170 cargos de Procurador do Estado, a fim de possibilitar que “a Instituição disponha de recursos humanos suficientes para fazer frente às suas crescentes atribuições e atividades”.
Se, para fazer frente às suas atuais e crescentes atribuições e atividades, a PGE necessitava, já há quase quatro anos, da ampliação do número de Procuradores, nada justifica o retardamento na realização do concurso, seja para repor o antigo quadro, seja para preencher os cargos criados.
O próprio Corregedor Geral da PGE manifestou preocupação com o déficit de Procuradores: “(…) o que deve balizar a atuação da Corregedoria é a realidade atual da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo – defasagem existente entre o aumento da demanda de serviços e o insuficiente número de Procuradores e funcionários de apoio em exercício” (Boletim CEPGE, São Paulo, v. 39, n. 5, p. 8, setembro/outubro 2015).

Agregue-se a isso o fato de que, abstraídas as constantes exonerações de Procuradores para assumirem cargos em carreiras melhor estruturadas, muitas aposentadorias avizinham-se. Segundo dados da PGE, quase 10% dos 859 Procuradores em atividade reúnem requisitos para se aposentar. Assim, o déficit ampliar-se-á ainda mais e comprometerá a boa condução e a qualidade dos serviços jurídicos a cargo da Instituição.
Atualmente, há, em andamento, cerca de 1.932.392 processos cadastrados no PGE.net – sistema informatizado de gerenciamento dos processos judiciais na PGE –, número que cresce aos milhares por ano.
Verifica-se, pois, que a PGE, na conjuntura de surpreendente aumento da litigiosidade judicial, não deveria apresentar vazios de lotação. Tão logo constatada a vacância de 20 cargos, o Estado deveria, atento e cioso à eficiente defesa do interesse público, providenciar a abertura do correspondente concurso (afinal, a Lei de Improbidade Administrativa proíbe que o administrador público aja negligentemente na conservação do patrimônio público e na arrecadação de tributos!). No entanto, não é o que tem ocorrido, pois, nos últimos 16 anos, a PGE realizou apenas 4 concursos (o último, em 2012). No mesmo período, o Ministério Público paulista promoveu 10 certames.
A vacância de Procuradores também debilita a ação dos órgãos consultivos, que produzem mais de 30.000 pareceres por ano e são essenciais à garantia da constitucionalidade e legalidade e à segurança jurídica dos atos e políticas públicas do Estado. De janeiro de 2015 a fevereiro de 2017, o Gabinete do Procurador Geral do Estado, reconhecendo a precariedade do número de Procuradores Consultores Jurídicos nas Secretarias de Estado, editou 32 atos de designação, com determinação de que uma Consultoria Jurídica respondesse pelo expediente de outra.
A diminuição de Procuradores igualmente tende a comprometer a eficiência da cobrança e da arrecadação da dívida ativa, estimada, em março de 2017, em R$ 343 bilhões. Menos Procuradores, menor a arrecadação tributária! À guisa de ilustração, entre janeiro de 2011 e março de 2017, os Procuradores do Estado arrecadaram em torno de R$ 15,5 bilhões, ou seja, R$ 2,48 bilhões por ano (afora outros valores que os Procuradores do Estado também arrecadam e evitam perder, o montante de R$ 2,48 bilhões por eles recuperados corresponde à expressiva quantia de mais de R$ 2,88 milhões/ano, ou R$ 240,5 mil/mês por Procurador, e autoriza dizer que os Procuradores do Estado “se pagam e dão lucro”). De janeiro de 2015 a dezembro de 2016, foram arrecadados, por meio de protestos de certidões da dívida ativa, R$ 1,57 bilhão, isto é, R$ 1,8 milhão por Procurador. Decerto, todos esses números poderiam ser maximizados se fossem providos os cargos vagos de Procurador do Estado.
A situação relatada agrava-se sobremaneira em razão de os Procuradores do Estado, além de conduzirem numerosos processos, serem ilegalmente compelidos a realizar tarefas administrativas destituídas de conteúdo jurídico. Na sua árdua rotina diária, somam-se, ao grande volume de prazos a cumprir, várias atividades secundárias que poderiam – e deveriam! – ser desempenhadas por servidores de apoio administrativo (v.g., conferência de cálculos judiciais e de valores a serem pagos por meio de precatórios, alimentação de cadastros administrativos, retirada de autos em cartórios, entre outras). Se os Procuradores pudessem contar com quadro de apoio em condições de auxiliá-los em suas funções (contadores, assistentes jurídicos, técnicos da área de tecnologia da informação, etc.), o seu trabalho poderia ser melhor estruturado e otimizado, e manter-se adstrito à sua atividade-fim. Ocorre que, na PGE, os servidores são manifestamente insuficientes, e o indispensável projeto de lei de carreiras de apoio encontra-se parado nos escaninhos da Administração há quase 4 anos, sem qualquer perspectiva de encaminhamento à Assembleia Legislativa.
Levantamento realizado pelo SINDIPROESP com base em dados de janeiro de 2017 revela que existe 0,83 servidor para cada membro da PGE, relação que não encontra correspondência nas demais Funções Essenciais à Justiça e no Poder Judiciário: na Defensoria Pública, há 1,12 servidor por membro, no Ministério Público, 2,43, e no Poder Judiciário, 14,25. Ou seja, a PGE é a única instituição onde existem mais membros (Procuradores do Estado) do que servidores!
As más condições de trabalho na PGE também impressionam: prédios sem Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros, 3 unidades da capital autuadas em razão do descumprimento de Normas Regulamentadoras da Saúde e Segurança Ocupacionais do Ministério do Trabalho e Emprego, ocorrência de incêndio na sede da Procuradoria Regional de Santos, furto de processos na Procuradoria Fiscal, etc.
Sucateada e desprestigiada pelo Governo, a PGE caminha em sentido diametralmente oposto ao das outras instituições jurídicas paulistas, que vêm se aparelhando para enfrentar o exponencial incremento do número de processos e atender a demanda social por maior celeridade e eficiência na prestação dos serviços públicos. Além, encontra-se na rabeira das demais carreiras jurídicas do Estado em todos os sentidos – estrutural, funcional e remuneratório –, sendo inaceitável o tratamento indigno e desrespeitoso conferido aos seus membros, agentes públicos que respondem pela correção jurídica das políticas públicas e da atuação estatal, pela defesa do Estado de São Paulo em ações judiciais milionárias e pela cobrança e arrecadação de vultosa dívida ativa. Sem suporte técnico e administrativo, os Procuradores do Estado sucumbirão à pletora de serviço e à complexidade de assuntos jurídicos sob a sua cura, em prejuízo à defesa do interesse público indisponível.
A quem interessa o sucateamento da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo?
Artigo publicado em 1 de junho de 2017, no Jornal Carta Forense, por Derly Barreto e Silva Filho, presidente do SINDIPROESP – Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo.

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