Escrevi o textinho abaixo sobre a caravana pouco antes de vivenciar a experiencia de ouvir estampidos de tiros e ver, pertinho da minha poltrona no ônibus, a marca de uma bala que não atravessou o vidro. Bala que fatalmente acertaria alguém que estava no ônibus da caravana Lula pelo Brasil. Bala endereçada a Lula. Outras balas atingiram o nosso e o terceiro ônibus. Miguelitos na estrada (ferro retorcido para furar pneus), dão a exata dimensão do acontecimento: fomos emboscados. No exato momento que estávamos sem escolta, tentaram forçar a parada do ônibus na estrada. Mas não foi a única emboscada durante a caravana. Fomos emboscados outras vezes. Em alguns casos com a cumplicidade bandida da polícia militar. Homens armados perseguiram a caravana desde seu início.
Inspirados pela coragem demonstrada por Lula, nós seguimos em frente. E resistimos.
Inspirados pela coragem demonstrada por Lula, nós seguimos em frente. E resistimos.
Parte da imprensa canalha tenta culpar a própria caravana pelos disparos. Mais um crime covarde contra a democracia.
Enfim, segue meu textinho.
Cresci ouvindo de meu pai que deveria me defender sempre que fosse atacado. Ou tivesse um dos meus atacados. Ouvi minha mãe falar a vida inteira que eu era destemido. “Esse menino só chora de raiva”, dizia.
Amigos sempre disseram o mesmo. Briguei muito na adolescência pelos motivos errados. Outras vezes pelos motivos certos. Na juventude, e depois na vida adulta, escolhi melhor minhas batalhas. Algumas várias delas físicas. Algumas delas contra aliados que, em algum momento, pareciam inimigos. Nunca foram. Fui mais derrotado que vitorioso, apanhei mais que do que bati. Mas, mesmo na tempestade, poucas vezes tive medo de atravessa-la. Nunca fiquei apavorado.
E, em algum momento, escolhi as palavras, a reflexão e o argumento como armas, quando me apaixonei pela política e depois quando optei pelo jornalismo. Mesmo assim segui correndo sempre “em direção a confusão”.
Algo mudou quando minha primeira filha nasceu. Passei a escolher ainda mais minhas batalhas. Todas as minhas energias são para que minhas filhas cresçam e tenham uma boa vida. Que tenham alegria nos pequenos momentos, amem com muita força e dêem valor as pessoas mais do que as coisas. E por outro lado para que esse país e planeta sejam menos miseravelmente injustos e desiguais entre as pessoas.
Queria dizer que este texto é pra reforçar essa ideia. Mas não é.
As vésperas de chegar em Curitiba, última etapa da caravana de Lula pelo Sul. Sou obrigado a admitir que tive medo. Mais pelo que virá, é verdade. Mas tive esse medo físico que dói nos ossos também. O conhecia apenas por literatura. Por relatos. Vi muita gente com esse frio na barriga que parece uma apneia.
Nesta Caravana vi de perto trabalhador açoitado, meninas espancadas, jornalista agredido, padre alvejado e mulher arrastada pelos cabelos. Uma turba atirando bombas e pedras contra brasileiros, separados por uma ideia. Fiquei sitiado junto com outros camaradas, em estradas, ruas e praças. Tomei chute de oficial da PM que deveria nos proteger. Ouvi de outro coronel que “era hora do troco”. Um amigo teve a orelha dilacerada por alguém que fechou um pedregulho em sua mão, chegou devagarinho e deu uma pancada a queima roupa. Quem fez isso estava no auge dos seus 25 anos no máximo. Meu amigo com quase 70 anos.
Em Bagé homens armados e identificados (protegidos) pela polícia chegaram a 100 metros de Lula.
Em Santa Maria um cordão de esperança, formado por estudantes, em sua maioria meninas que certamente poderiam ser minhas filhas, foram a última barreira entre a turba que exalava ódio e Lula. Menos de 20 metros de distância.
Em São Miguel D”Oeste a polícia permitiu que atacassem ferozmente nossos ônibus e carros. Vidros quebrados e quase, por muito pouco, não somos obrigados a descer dos ônibus. Quem sabe o que poderia ter acontecido? Eu estava com o espírito preparado para defender fisicamente o presidente e todos que estavam na caravana. Até o fim. Mas estava com medo.
Em todos esses casos jornalistas dos grandes veículos de comunicação estavam presentes. Na maioria das vezes mais assustados que os integrantes da caravana. Também atacados. Mas, muitas vezes, tratando como “normal” e como conflito, e não ataques, os acontecimentos. Não tem nada de normal no que está acontecendo. A indignação dos jornalões apareceu apenas quando alguém próximo da caravana errou feio e deu um tapa em jornalista do Globo, enquanto a escolta presidencial identificava indivíduos com litros de querosene (!!!!!) e pneus em uma caminhonete tentando invadir o aeroporto. Imaginem a tensão. O tapa, erro grave e injustificável, foi notícia. As agressões contra outros jornalistas não foram. Nem a tentativa de incendiar um aeroporto. (Nota posterior: Tudo mudou depois dos tiros, mas antes...)
Em Chapecó, depois de um cerco ao hotel do presidente e tentativa de arrombar as portas, Lula teve que abrir caminho com seus apoiadores e voltar da praça, também tomada por apoiadores, em outro cordão humano até seu hotel. Por três horas bombas e pedras foram arremessados em direção ao povo na praça. Novamente sob os olhares da polícia militar.
Onde isso vai parar? Não tenho a mínima ideia. Mesmo com tudo isso TODOS os eventos com o presidente estavam abarrotados. Muita gente correndo risco. Escondendo suas camisetas vermelhas. Mas negando o ódio, com aquele
sorrisão no rosto que marca os encontros de nosso povo com Lula. Isso diz muito sobre as razões dos que atacam a caravana.
sorrisão no rosto que marca os encontros de nosso povo com Lula. Isso diz muito sobre as razões dos que atacam a caravana.
É injustificável que alguns democratas deste país não estejam se estapeando para se somar a caravana, sem alterar em nada seu tom crítico em relação ao ex-presidente. É inaceitável o silêncio de parte da esquerda, que espera o espólio de Lula ou pensa que essa batalha não é sua. Mesmo os liberais deveriam ter aprendido com a história: quando se solta a besta da coleira, recolhe-la não é tarefa fácil. Culpar a vítima pela violência que sofre é um escárnio.
Por tudo isso admito meu medo. E peço, como em prece, todos os dias, para que ele sirva de combustível pra lutar. De lenha pra queimar e arder. Que ele vire sempre coragem pra ir adiante. Pra que naquele momento mais tenso, na hora mais escura, quando um dos meus olhar nos meus olhos antes da próxima “batalha”, do próximo evento, do próximo encontro, não me encontre paralisado. Nem em pânico. E nem com ódio. Prefiro a morte. Amém.
Otávio Antunes
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