
Há 54 anos, neste mesmo dia – na verdade, à noite -, o Brasil vivia um golpe de estado, a que se seguiram anos difíceis. Com responsabilidade que não lhes competia e aprisionados na ideologia da guerra fria, os militares no poder foram incapazes de perceber a tática do jogo e cultivar as alianças necessárias para sair-se bem; quando, depois de propiciar e se envolver em guerrilha, repressão e tortura, tentaram comandar em rumo próprio a carroça do Estado, não tinham sequer como cessar suas contradições internas.
O que terá levado a esse tipo de impasse e nos impõe, agora, percorrer a mesma estrada esburacada e sinuosa, a caminho de lugar nenhum?
O primeiro fator constante é a dependência do Brasil, que jamais se livrou de tutela externa. Em 1950, não podia explorar seu petróleo. Em 1970, não podia desenvolver projetos em informática, nucleares, espaciais. Hoje, não lhe permitem ter sequer um satélite de comunicação.
O segundo, histórico, data da independência politica formal, há quase dois séculos: a incapacidade de fazer uma reforma agrária; a que intentamos nos últimos cinquenta anos, injetando tecnologia e dinheiro público em grandes e pequenas plantações, atingiu alguns objetivos econômicos imediatos e regularizou o abastecimento das cidades, mas foi insuficiente na perspectiva social. A experiência chinesa mostra que a fixação de populações no campo é ponto de partida para uma edificação nacional consistente.
O terceiro, questões de segurança. O Brasil nunca soube se defender; é a única nação que acredita de fato no discurso da democracia liberal, a ponto de se perder por ela. O Estado brasileiro age como menino inseguro, rogando aos espertos que o admirem. Distraído, vulnerável. A espionagem e a sabotagem de projetos estratégicos sempre correu leve e solta. Em 1964, qualquer repórter bem informado sabia mais sobre a conspiração em curso do que o governo; as manobras na mídia (que até tentava resistir, como não mais) eram evidentes; a as notícias falsas corriam como se fossem verdadeiras. Igualzinho agora.
Talvez por ser tão grande, o Brasil julga-se distante dos problemas do mundo. No entanto, o esgoto político dos países ricos deságua aqui, freia a industrialização, agrava a luta de classes. Importamos vícios e cultura degradada. Tivemos uma produção musical e cênica rica, diversificada: acabou. Um ciclo de intelectuais e cientistas brilhantes – educadores, sociólogos, escritores, cientistas: o mais das vezes perseguidos e rejeitados, não deixaram tão nobres herdeiros. Hoje, bons se calam, porque não são bestas, e competentes mudam de assunto.
Desprezamos nosso povo; na verdade, não nos amamos porque queremos ser o que não somos.
Por essa via, perdemos o espelho; para recuperá-lo, precisamos de uma ideologia nacional vigorosa, capaz de costurar nossas divisões e projetar nosso futuro, porque comunidade alguma sobrevive sem ideologia: se não se representa, não almeja, não se cuida, não fantasia a própria grandeza, dilui-se.
A fragilidade nem sempre está nos braços, costuma estar no espírito.
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