05/06/2022

Guilherme Mello: mídia tradicional se apega em aspectos mesquinhos e atrasados ao citar o debate econômico

 


"O mundo mudou e o debate econômico mudou junto. ­Infelizmente, os editorialistas da mídia tradicional seguem a repetir os mesmos bordões", aponta

Guilherme de Mello
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Por Guilherme Mello, na Carta Capital - Alguns editoriais dos jornais brasileiros insistem em rotular qualquer proposta de desenvolvimento que postule algum papel ativo do Estado de “atrasada” e “ultrapassada”, superada no debate econômico e na prática dos principais países do mundo. O “moderno” seria uma visão neoliberal de Estado meramente regulador, com uma política macroeconômica somente voltada para a estabilidade de preços e promotor de políticas sociais bastante focalizadas. A adoção de políticas de reestruturação produtiva ou o financiamento público ao investimento são itens proibidos no linguajar dos editorialistas.

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O maior inimigo desse discurso é a rea­lidade. Quem acompanha o debate sobre desenvolvimento econômico e as políticas públicas mundo afora sabe que essa visão “moderna” saiu de moda por volta de 2008. Até ensaiou-se um ­comeback no início da década de 2010, mas logo se tornou démodé novamente, em particular após a pandemia. Nos mais diferentes países do mundo, o que assistimos é um retorno do Estado planejador, indutor e até mesmo investidor. Seja como resposta ao agressivo modelo chinês, onde empresas estatais e bancos públicos jogam um papel-chave, seja como constatação do fracasso do modelo neoliberal em gerar crescimento, promover distribuição de renda e sustentabilidade ambiental, o debate sobre o papel do Estado e da política fiscal passou por uma profunda transformação na última década.

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No debate acadêmico, essa mudança de orientação começou logo após a crise de 2008, que levou diversos proeminentes economistas a reverem seu arcabouço teórico e questionarem as certezas que até então carregavam. Em 2010, o então economista chefe do FMI Olivier ­Blanchard escreve o artigo “Rethinking Macroeconomic Policy”, no qual questiona velhos consensos e aponta falhas na teoria econômica tradicional, reforçando a função estabilizadora do Estado em momentos de crise. Alguns anos depois, foi a vez do famoso macroeconomista Paul Romer questionar os métodos da abordagem convencional em seu artigo “The Trouble With Macroeconomics”. Essa reconstrução teórica ganhou força com trabalhos que, utilizando novas metodologias, reavaliaram o papel da política fiscal na atividade econômica, até então relegado ao segundo plano e às amarras da doutrina do “orçamento equilibrado”. O debate sobre multiplicadores fiscais, virtualmente abolido pela teoria novo clássica, ganha outro fôlego com pesquisas promovidas pelo Congressional Budget ­Office dos EUA e pelo próprio FMI, além de artigos dos reconhecidos macroeconometristas Auerbach e Gorodnichenko.

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Há uma recuperação do debate sobre o papel ativo da política fiscal, que seria capaz de impulsionar o crescimento em emprego no curto prazo, mas também afetar a trajetória de longo prazo das economias. Esses efeitos de longo prazo ganham força nos debates de histerese e estagnação secular promovidos por Olivier Blanchard e Laurence Summers, preocupados com os efeitos do baixo crescimento e elevado desemprego no potencial de crescimento futuro das economias centrais.

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Ao mesmo tempo, o debate sobre a função distributiva do Estado estava na obra de Thomas Piketty. Ao obter acesso a novos dados fiscais e demonstrar como o modelo neoliberal promoveu a concentração de renda e riqueza, o autor destaca o papel central da tributação nesse processo e abre espaço para uma série de outros pesquisadores aprofundarem suas análises, incluindo debates sobre os efeitos distributivos dos gastos sociais.

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Obviamente, a revisão teórica não ficou circunscrita ao debate de política fiscal. A adoção de taxa de juros zero ou negativa por boa parte dos Bancos Centrais do mundo foi o gatilho para um profundo debate sobre o os limites da política monetária, até então entendida como a cura de todos os males. As discussões sobre o papel desestabilizador da especulação financeira e sobre a necessidade de fortalecimento do sistema regulatório internacional completam uma ampla revisão no arcabouço de políticas públicas à disposição dos policy makers.

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