Veja a leitura do Manifesto:



Manifesto em defesa dos povos indígenas do Brasil e em homenagem a Bruno Pereira e Dom Phillips

Ao longo dos últimos meses e anos temos testemunhado o agravamento de uma crise que existe há séculos no país: a escalada da violência contra os povos indígenas. A invasão de suas terras e o avanço de atividades ilegais, a constante e efetiva retirada de direitos desses povos e a inexplicável lentidão em reconhecê-los, a ausência e negligência do Estado e o enfraquecimento dos órgãos de fiscalização nos colocam em uma conjuntura crítica, que exige resposta diante de uma evidente corrosão democrática. As mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, numa emboscada na região da Vale do Javari que não os poupou da tortura, da execução e da mutilação de corpos, tornaram-se não sem motivo alvo da indignação internacional. Eles se somam a inúmeras outras pessoas que ofereceram suas vidas nessa luta, sendo essas muitas vezes interrompidas por crimes sequer investigados e que permanecem impunes. Referido contexto ganha significado também em razão da morte de Dom Cláudio Hummes, eternizado como o “Profeta da Amazônia”. O legado desses defensores de direitos humanos, na admiração e amor que demonstraram e na defesa intransigente dos povos indígenas, consistirá, sempre, em inspiração e norte para as próximas gerações. Honrar a memória desses defensores de direitos humanos exige dar continuidade à sua bem-aventurada missão. Assim, devemos relatar e denunciar a violência que se impõem sobre esses povos, exigir que sejam tomadas as providências devidas para a sua proteção, e transformar todas as crenças e estruturas que dão espaço para a violência. Esses não são crimes isolados. São o resultado de um sistema econômico e político que mata e desmata. Um sistema em que a ganância financeira se sobrepõe à vida; em que a pilhagem de recursos naturais é tolerada e incentivada; um sistema que promove arrogância e desconexão com a terra, com a água e com o ar que nos sustentam, e fazem da poluição o nosso habitat; e que silencia, torna invisível e desumaniza aqueles que se contrapõem ao seu funcionamento, tornando-os alvo fácil da violência. Ao longo dos séculos, argumentos políticos, econômicos e até mesmo religiosos foram utilizados em nossa sociedade para legitimar e sustentar essa visão de mundo. Basta! Não é este o futuro que queremos para o nosso país. Romper com essa visão exige reconhecer que os povos indígenas possuem um papel de liderança fundamental a cumprir. Suas vozes precisam ser ampliadas e seus saberes disseminados! Entre as culturas dos 305 povos indígenas que existem no Brasil, reconhece-se que tudo que tem vida é valioso e é dotado de espírito; a diversidade é acolhida e celebrada; a coletividade é valorizada e a escuta é defendida como necessária; o humano e o não-humano não podem ser separados; a Terra é entendida como um só planeta e as fronteiras e divisões que criamos como ilusórias.  Não podemos nos silenciar frente à destruição em curso! Não podemos abrir mão de um futuro livre da violência! Defendemos a integridade dos povos indígenas e de suas terras e nos unimos à sua elevada missão de reflorestar as mentes e corações e de construir uma sociedade próspera e segura para todas as pessoas. Nós da Frente Inter-religiosa Dom Paulo Evaristo Arns por Justiça e Paz - representando católicos, anglicanos, metodistas, pentecostais, judeus, muçulmanos, bahá’ís, budistas, kardecistas, povos tradicionais de matrizes africanas e membros da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias - lançamos e assinamos este manifesto e convidamos a todas as organizações e pessoas a se juntarem a nós, desejosos que toda a sociedade brasileira aja em defesa dessa causa.