01/05/2023

'Brasil hoje é destaque pela maior taxa de juros real do mundo e pela desindustrialização precoce', diz presidente da Fiesp

 



Josué Gomes da Silva participou no Senado de debate sobre juros, inflação e crescimento. Estavam presentes também Haddad, Tebet, e o presidente do BC, Roberto Campos Neto

www.brasil247.com - Josué Gomes da Silva
Josué Gomes da Silva (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)
 

247 - O presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Josué Gomes da Silva, participou nesta quinta-feira (28) de debate no Senado Federal sobre juros, inflação e crescimento e afirmou que o ‘Brasil hoje é destaque pela maior taxa de juros real do mundo e pela desindustrialização precoce’.

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Participaram também do debate os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

Leia a íntegra do discurso do presidente da entidade:

Bom dia a todos.


É com satisfação que cumprimento o Presidente desta Casa, o meu conterrâneo, Senador Rodrigo Pacheco, na pessoa do qual estendo as saudações a todos os nobres Senadores e Senadoras. Saúdo também meus ilustres companheiros de painel, os senhores e as senhoras aqui presentes. Eu o cumprimento, Presidente, em especial pela oportunidade deste evento para falarmos sobre juros, inflação e crescimento.

Começo salientando, Presidente, que os tópicos deste debate reúnem três questões interdependentes, mas uma das quais, sobre a qual quero me deter um pouco mais, tem sido tratada quase que como subalterna das outras duas, e assim vem sendo há quase quatro décadas. Refiro-me ao crescimento econômico, que impacta diretamente o denominador de um dos indicadores olhados com lupa pelos analistas financeiros, a relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto.

 
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Muitos se apegam ao conceito da dívida bruta, hoje da ordem de 73% do PIB, contra 57% no conceito da dívida líquida, excluindo as reservas internacionais. Precisamos, sim, nos atentar a essa relação, mas estamos há tempo demais com o crescimento estagnado. Nos últimos dez anos, o país cresceu apenas 0,6%, enquanto a média dos emergentes foi de 4%. Ao crescermos pouco, ao mesmo tempo em que praticamos taxas de juros reais muito acima do crescimento nominal de nossa economia, precisamos gerar superávits robustos para estabilizar a relação dívida/PIB.

O crescimento está estagnado e não virá se apenas estabilizarmos as contas públicas. Para o investimento fluir, as atividades correntes de nossas empresas têm de operar em condições minimamente estáveis, com crédito disponível a taxas que permitam o retorno do negócio, e isso tem sido cada vez mais raro e por prazos exíguos.

A política monetária voltou a estar em terreno contracionista desde março de 2021, quando a Selic saiu do piso de 2% ao ano, impactando de forma marcante a normalidade econômica e, principalmente, os setores mais sensíveis ao crédito. Hoje, descontada a inflação projetada pelo último Focus para 12 meses à frente, a Selic apresenta taxa real de 8%. Sinto dizer que não há negócio em condições de concorrência capaz de fazer frente a tamanho custo de capital.

Infelizmente, nas últimas três décadas, a exceção no Brasil é a taxa de juros ser fixada pelo Banco Central abaixo ou em par com a taxa nominal do crescimento do PIB. Isso não tem precedente em nenhuma outra economia que adota o regime de metas de inflação. À frase do saudoso Professor Simonsen “a inflação aleija, mas o câmbio mata” deveríamos acrescentar “e os juros empobrecem”. E, com a perenidade dos juros altos, temos assistido ao empobrecimento em nosso país.

Essa situação impede que a indústria – mas poderia incluir, sem receio de errar, todas as empresas no Brasil sem acesso a crédito favorecido – invista o necessário para se manter produtiva. A geração de caixa livre para investimentos diminui e, obviamente, é proibitivo tomar recursos de terceiros. E quem o fez enfrentou, enfrenta ou enfrentará problemas, infelizmente.

Nos idos dos anos 1980, a economia brasileira aparecia na imprensa mundial como uma das de maior potencial. Tínhamos saído de um ciclo de crescimento que nos colocava no topo do crescimento mundial – 7,2%, média composta anual dos anos 1940 até os anos 1980. Da China ainda nem se falava, ou se falava pouco. Hoje somos destaque pela maior taxa de juros real do mundo, pela desindustrialização precoce.

No ano passado, gastamos mais de 5% do PIB somente com os juros da dívida pública federal. Um ponto percentual da Selic corresponde a cerca de R$ 40 bilhões com pagamento de juros. O Brasil gasta com juros mais do que o gasto público somado com saúde e educação: em 2022, mais de R$ 500 bilhões ao ano, e pouco menos de R$ 400 bilhões com saúde e educação.

As sequelas são amplas e irrestritas. Não é que devamos afrouxar com a inflação; não é aceitável um pouco mais de inflação para termos um pouco mais de crescimento, o que nem seria sustentável. Mas não podemos deixar de cuidar do denominador desta equação da dívida em relação ao PIB. Precisamos cuidar do crescimento nacional.

O impacto na indústria tem sido devastador. O estoque de capital na indústria de transformação sobre o estoque total de capital no país está hoje reduzido a meros 11% e já foi superior a 20% nos anos 1980. Os investimentos, como aliás falou a nossa colega do setor de transportes, não estão cobrindo nem a depreciação da manufatura na última década. E investimento baixo, tendendo a residual na indústria brasileira, significa a queda da produtividade.

Na Fiesp, estimamos que um ponto percentual a mais na taxa real de juros impacta o PIB da indústria de transformação com o ônus de 50% maior do que afeta o PIB total.

Então, senhores e senhoras, nossa baixa produtividade não é porque nossa mão de obra esteja mal treinada, ou que nos falte pesquisa e desenvolvimento. Temos, sim, que melhorar tudo isso, mas temos, sobretudo, de enfrentar as adversidades desse ambiente hostil aos empreendedores, aos que nunca desistiram do nosso Brasil.

Nossa indústria de transformação chegou nos anos 1980 a ostentar 56% da produtividade da indústria norte-americana. Hoje essa produtividade se vê reduzida a 25%.

Leio, vez ou outra na imprensa, quem diga que não precisamos de indústria forte e que o setor privado sozinho será capaz de restaurar nossa infraestrutura, mas sem uma indústria de transformação forte, aquela que representa o maior multiplicador econômico, que paga em média os maiores salários, que investe dois terços da pesquisa de desenvolvimento no Brasil, não formaremos uma nação, caros Srs. Senadores e Sras. Senadoras. E não há casos de país relevante em que apenas a iniciativa privada construiu a infraestrutura necessária ao desenvolvimento.

Não deve surpreender, por tudo isso, que a nossa indústria de transformação, que representava quase 30% do PIB nos anos 1980, tenha encolhido a cerca de 11%, com tendência, infelizmente, decrescente. Para ficar com dado mais recente do IBGE, de fevereiro, o setor industrial está 19% abaixo do nível recorde alcançado em maio de 2011; 2,6% abaixo do patamar pré-pandemia, em fevereiro de 2020. Isso também deveria nos preocupar a todos.

Sugiro, se o senhor me permite, Presidente Pacheco, que seja tema de um futuro debate aqui, no Senado Federal. Inflação estável e juro decente – e falo obviamente não apenas da Selic – são condições necessárias para um projeto de crescimento nacional. Precisamos, sim, trabalhar nas causas que nos levam a ter essas taxas inóspitas à produção.

Já deveríamos, há muito tempo, termos feito o debate da desindexação inacabada na reforma monetária de 1994, como nos aluguéis, nos preços administrados e assim por diante. Já deveríamos ter modernizado os instrumentos de garantia bancária, para os quais há um importante projeto de lei tramitando aqui, no Congresso Nacional. Devemos endereçar a cunha fiscal que onera o crédito já agora, no corpo da reforma tributária, imprescindível que seja aprovada pelo Congresso Nacional este ano. Não podemos deixar para amanhã.

O país necessita de uma indústria moderna, digitalizada em todas as suas etapas produtivas, comprometida com a produção de baixo carbono, integrada às cadeias internacionais de valor e dirigida por pesquisa e desenvolvimento tecnológicos. Isso implica ambientes de negócios estimulantes, envolvendo crédito acessível a juros compatíveis com as atividades produtivas, sistema tributário simples e isonômico e atenção permanente à eliminação de entraves de ordem burocrática e garantia de segurança jurídica, sem os quais a economia não irá prosperar.

Nenhum país democrático chegou ao status de desenvolvido sem o entusiasmo empreendedor de seus empresários, instigados por um ambiente sadio aos negócios e à competição, com governança pública e lideranças políticas motivadas, com educação de qualidade e, sobretudo, com indústria de transformação diversificada e inovadora.

É obra permanente. Ela se alicerça nos pilares do Estado democrático de direito, consagrado em nossa Constituição, que assegura a garantia plena da liberdade dos mercados e do direito de propriedade, que não pode ser violado, como condições indispensáveis para o Brasil superar seus principais desafios. Estou seguro de que o Congresso Nacional, e especialmente o Senado Federal, dará prioridade às medidas legislativas que possam permitir o crescimento do Brasil.

Muito obrigado a todos.

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