SAMARA Perdemos Samara Faustino. Ela presidiu a Associação de Moradores de Cortiços do Centro. Dedicou a vida ao povo santista que habita a parte da cidade onde “justiça” é um termo vago, distante, uma ilusão que pode ser que exista algum dia quem sabe na vida alheia, mas que ninguém ali nos cortiços de Santos se ilude quanto à possibilidade desse luxo lhes pertencer. Neste cenário viveu Samara, uma peregrina da solidariedade, pregando num deserto social inóspito, servindo ela mesma de alimento para esperança dos que vivem no plano dos desvalidos. Santista de nascimento, conheci os porões, becos, ruelas, guetos, cubículos do Paquetá puxado pela mão de Samara. Na transição entre um porão e outro testemunha-se a imorredoura frota de navios negreiros coalhada de corpos fundeada no Paquetá. Ao entrar em cada cômodo ela me apresentava as pessoas da forma mais digna e humana que se pode fazer, dizendo o nome, quem era, como vivia, que perrengues passava e o que sonhava fazer. Nessa parte surgia o sorriso que iluminava a expressão do sofrimento no porão. Samara tinha um código para abrir e fechar a conversa em torno da palavra “emoções”. Assim, ponto a ponto, no gueto, fiz minha andança não nos lugares, mas nas pessoas que habitam o inabitável e que agora estão lá, sem a Samara, cuja perda não tenho capacidade de descrever. Com ela estive no penúltimo dia de sua importante vida. Não consegui dizer muita coisa. Ocorreu-me dizer que ela, para mim, era como um anjo desses que chegam para tocar na alma alheia com esperançares. Ela me olhou, sorriu e perguntou se eu achava aquilo mesmo. Disse que sim, lembrando que somente anjos nos pegam pela mão para visitar almas e nos ajudam a sentir a vida do outro tornado invisível. Ver pelos sentidos. Obrigado Samara! Como anjos, em tua singela e importantíssima passagem você passou para a eternidade essa ilusão necessária capaz de sobreviver na dimensão do sentimento. Samara Faustino, Presente! Samara Faustino
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