De acordo com o IBGE, cerca de 1 milhão e 200 mil residências não possuem banheiro ou espaço para a higiene da família. O presidente da Funasa, Alexandre Motta, falou sobre o assunto em entrevista ao Canal Gov
De acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 1 milhão e 200 mil residências brasileiras não possuem banheiro ou espaço para a higiene da família. Em entrevista ao Canal Gov nesta terça-feira (18/11), no contexto da COP 30, em Belém (PA), o presidente da Fundação Nacional de Saúde, Alexandre Motta, falou sobre a importância do saneamento básico, não apenas para a saúde, mas para a dignidade de milhões de pessoas no Brasil e no mundo, ideia que é debatida neste dia 19 de novembro, Dia Mundial do Banheiro.
"A própria Organização Pan-Americana de Saúde e a OMS, a Organização Mundial de Saúde, têm como uma de suas metas eliminar a defecação a céu aberto. Pra vocês terem uma ideia, tem mais ou menos 3,4 bilhões de pessoas que estão nessa condição de precariedade para fazer as suas necessidades no mundo", destacou o presidente da Funasa.
E a gente precisa enfrentar essa realidade, porque ela é uma realidade que garante, na saúde e higiene, é também uma questão de dignidade", completou.
Saneamento seguro evita doenças, protege ecossistemas e garante oportunidades, sobretudo para mulheres e meninas. Segundo Alexandre Motta, a Funasa conta com iniciativas para dimunuir esse déficit sanitário. "Então, nós temos um programa específico dentro da nossa estrutura orçamentária. No ano passado, nós conseguimos financiar em torno de 5 mil unidades sanitárias. A gente chama esse programa de Melhorias Sanitárias Domiciliares, os MSDs. Esse ano, nós estamos fazendo a mesma quantidade, em torno de 5 mil", afirmou Motta.
O programa realiza intervenções nos domicílios, com o objetivo de atender às necessidades básicas de saneamento das famílias, por meio de instalações hidrossanitárias mínimas, relacionadas ao uso da água, à higiene e ao destino adequado dos esgotos domiciliares.
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A Funasa, Alexandre, é uma fundação que tem como objetivo primordial promover o saneamento básico como forma de combater e prevenir doenças. Então eu começo te perguntando a quantas anda o debate aqui na COP 30 sobre o saneamento básico, um tema essencial em se tratando de meio ambiente, sustentabilidade e tudo mais. Como é que está esse debate e qual a principal contribuição do Brasil nesse diálogo com os outros países sobre saneamento básico?
Bom, vou cumprir uma missão pedagógica também, porque eu acho que é essencial. Quando nós, do setor de saneamento, falamos de saneamento básico, nós estamos falando de quatro coisas. Água tratada, que a gente chama de água potável, que é água boa para a gente beber. Tratamento de esgoto, gestão de resíduos sólidos, ou seja, gestão do lixo. E por último, drenagem de águas de chuva, drenagem de água pluvial.
E a gente teve uma triste situação em Porto Alegre, que mostrou para nós a importância da drenagem. É verdade. Então, assim, a nossa grande preocupação na COP é que as últimas COPs discutiram muito segurança hídrica, ou seja, como obter água doce em quantidade e em qualidade.
Perfeito, só tem um problema. As pessoas esqueceram de discutir, ou têm esquecido de discutir, o papel do saneamento para garantir essa segurança hídrica. E isso é muito sério, porque nós sabemos que não há segurança hídrica, não há água boa para todo mundo sem saneamento.
E na COP, a gente não tem sentido muito claramente esse debate ser conduzido da forma como nós acreditamos que precisa ser. Se eu entendo bem, a falta de saneamento básico diminui a disponibilidade de água potável para as pessoas? Para você ter uma ideia, para todos terem uma ideia, no mundo só 0,3% da água do mundo é potável e está disponível nos mananciais superficiais. Por exemplo, rios, lagos, o restante, o 0,2% que resta, porque é 97,5% de toda a água do mundo é salgada.
Só 0,3%, só 2,5%, 2,3% da água é doce. E dessa água doce, a maior parte dela está ou em aquíferos de grande profundidade, ou em geleiras, ou congelada nos polos. Então, a gente precisa cuidar muito bem da água que está disponível e ela é relativamente limitada.
Por isso, nós não podemos deixar essa água ser poluída, tanto por esgoto não tratado, quanto por chorume que escorre dos lixões. Então, nós precisamos ter cuidado com essa água e o saneamento é parte fundamental nesse processo. Com certeza.
A Funasa trouxe para Belém, aqui durante a COP 30, a Casa do Saneamento. Eu queria que você falasse um pouquinho sobre o que foi planejado, o que foi programado como atividades da Casa do Saneamento.
Então, Roberto, a Casa do Saneamento surge juntando todo o setor de saneamento brasileiro, todo mundo. Exatamente, porque a gente percebeu que o debate nas COP sobre saneamento não estava caminhando em uma direção muito positiva e muito explícita para a sociedade. Então, a gente queria participar da COP, mas os espaços são limitados. Então, a gente criou um espaço fora da Blue Zone, fora da Green Zone, na superintendência da Funasa, aqui em Belém.
E nós estamos abrigando essa bandeira do saneamento lá, fazendo uma série de atividades. Nós já fizemos, na semana passada, duas atividades presenciais lá. Essa semana já fizemos mais duas.
Inclusive, durante a COP, nós vamos ter a comemoração, talvez a palavra não seja a melhor, mas pelo menos a lembrança de que, no dia 19, nós temos o Dia Mundial do Banheiro, que pra nós também é um pouco o Dia Mundial do Saneamento.
Sem dúvida, é uma data simbólica.
Exatamente.
Vamos expandir um pouco esse conceito. Por que é tão necessário falarmos sobre banheiros? Tem muita gente no Brasil, por exemplo, que não tem acesso a um banheiro que faça o esgotamento adequado dos resíduos residenciais?
Roberto, pra você ter uma ideia, no último censo do IBGE, se avaliou que nós temos em torno de 1 milhão e 200 mil residências que não têm um espaço para a higiene, para a família fazer as suas necessidades. Isso permite a gente imaginar que, nessas condições, eu tenho alguma coisa em torno de 4 milhões de pessoas. E também tem um outro dado que complementa esse: 2,5 milhões de pessoas têm um espaço, mas ele não é adequado para fazer as suas necessidades. São mais de 10 milhões de pessoas. Não é adequado porque não dá um tratamento certo. Às vezes é só um buraco no chão, gente. Entendeu? Isso é uma coisa muito séria.
A própria Organização Pan-Americana de Saúde e a OMS, a Organização Mundial de Saúde, têm como uma de suas metas eliminar a defecação a céu aberto. Pra vocês terem uma ideia, tem mais ou menos 3,4 bilhões de pessoas que estão nessa condição de precariedade para fazer as suas necessidades no mundo. E a gente precisa enfrentar essa realidade, porque ela é uma realidade que garante, na saúde e higiene, é também uma questão de dignidade.
E o que a Funasa tem de iniciativas, programas, ações para diminuir, Alexandre, esse déficit de banheiros no país?
Então, nós temos um programa específico dentro da nossa estrutura orçamentária. No ano passado, nós conseguimos financiar em torno de 5 mil unidades sanitárias. A gente chama esse programa de Melhorias Sanitárias Domiciliares, os MSDs.
Nós conseguimos implementar em torno de 5 mil dessas unidades. Esse ano, nós estamos fazendo a mesma quantidade, em torno de 5 mil. Mas é possível e é desejável que a gente amplie esses números para aumentar a velocidade com a qual a gente supera essa verdadeira chaga no nosso país.
O país que é uma das dez maiores economias do mundo precisa ter uma certa indignação com essa condição de alguns dos nossos cidadãos. E operacionalmente, como que se realiza essa ação? É em parceria com estados, municípios, outros órgãos? Estados e municípios, mas primordialmente municípios. A gente abre editais todos os anos e solicita que os municípios nos apresentem projetos para poder satisfazer uma determinada quantidade de necessidade das suas populações.
E aí os municípios apresentam esses projetos, nós analisamos os projetos. Em geral, a quantidade de projetos, a somatória dos valores excede muito a disponibilidade de recursos. Para você ter uma ideia, este ano nós abrimos três editais para MSD, mas também para outras atividades.
Nós recebemos 4.338 propostas, perfazendo um total de 7,6 bilhões de reais demandados. E a Funasa tinha apenas 270 milhões para fazer frente, é mais ou menos 3,5%. Isso indica que o saneamento é um pouco subfinanciado no Brasil.
E essa é uma das questões que mais preocupa a Casa do Saneamento e todo o setor de saneamento. A gente precisa ampliar a disponibilidade de recursos para aumentar a velocidade de atendimento dessa população.
Nessa articulação da Funasa junto a representantes de outros países, inclusive países ricos, há uma perspectiva de ampliar o financiamento para uma ação essencial como essa?
A gente tem percebido uma crescente disponibilidade de fundos privados, de organizações não governamentais, de governos estrangeiros, que começam a aportar no setor de saneamento como um todo.
Mas nós próprios precisamos, do ponto de vista da nossa legislação e da nossa normatização, nos adaptarmos para poder lançar a mão desses recursos. Porque no fim, eu não me lembro se era o Mao Tsé-Tung ou outro líder chinês que usava uma expressão muito engraçada, mas muito eficaz, não importa a cor dos gatos, desde que eles caçam os ratos. Então nós precisamos também do recurso externo para poder fazer frente a essa grande demanda da sociedade brasileira.
Só para a gente encerrar esse assunto do banheiro, como que a população recebe essa iniciativa? Você tem experiências interessantes para comentar? Roberto, o saneamento me transformou. Eu sou um sujeito de gestão, eu fui parar na Funasa por uma série de circunstâncias, mas chegando lá é impossível você não se apaixonar pelo saneamento. Eu costumo dizer sempre que o saneamento não é só uma atividade profissional, é militância, é causa.
As pessoas podem se aposentar da EBC, se aposentar da Funasa, mas ninguém se aposenta do saneamento. Vai lutar até o último dia, até o último suspiro. E faz isso, porque quando você vê uma família receber um banheiro, receber uma unidade Salta Z, que é uma unidade de tratamento simplificada de água, isso transforma a vida das pessoas.
É algo que não tem como você descrever, entendeu? Você sente, você sente no olhar, você sente nas palavras, você sente na gratidão. E é isso que faz a gente se dedicar tanto pelo saneamento, lutar tanto pelo saneamento.
E saneamento vai além das cidades. Eu quero puxar com você aqui um outro assunto, que é o Plano Nacional de Saneamento Rural. Podemos considerar isso um marco na história da Funasa e agora ele segue em processo de institucionalização, é isso mesmo?
Isso. Na verdade é o Programa Nacional. O que acontece com o Programa Nacional, com o PNSR? O Brasil teve um marco fundamental, que foi o Plansabe, que é o Plano Nacional de Saneamento Básico. Mas o saneamento rural, ele é tão específico que o Plansabe acabou se dedicando mais às cidades.
Aí o que aconteceu? Ao fim do processo, os caras perceberam que faltou um trabalho mais aprofundado sobre o saneamento rural e sobre a área rural. O que hoje a gente chama de saneamento para os povos do campo, das águas e das florestas. E aí a Funasa tomou essa luta para si e assumiu a responsabilidade de construir o Programa Nacional de Saneamento Rural.
Ela chamou a Universidade Federal de Minas Gerais, mobilizou a sociedade civil e construiu um Programa de Saneamento Rural para todo o território nacional. Esse programa estava quase sendo institucionalizado em 2022. Por uma série de razões, a gente perdeu aquele momento.
E a gente agora está numa luta para poder retomar esse fio, esse caminho e institucionalizar o plano. Mas é engraçado que o programa, no fim das contas, mesmo não institucionalizado, ele é a maior contribuição e a maior fonte de informação sobre o saneamento rural de todos os biomas nacionais que o país jamais fez. E ele passou a ser naturalmente base de consulta e de planejamento de todo mundo.
Então o que nós queremos agora é chamar a atenção do Presidente da República, que eu tenho certeza que é um cara que sempre lutou por todas as causas sociais fundamentais desse país e eu luto agora para que chegue nos ouvidos dele que talvez falte um tema que ainda ele não tratou com a mesma relevância ou a mesma importância dos demais temas, que é o saneamento rural. Não só o saneamento em geral, mas o saneamento rural. O saneamento das cidades está bem encaminhado, mas o saneamento daquele indivíduo que está lá no campo, na floresta, nas águas, esse a gente precisa cuidar.
E é para esses que o Programa Nacional de Saneamento Rural foi feito. Alexandre, nessa sua defesa incondicional do saneamento básico como uma prioridade para o país, você tem falado também de uma nova Funasa. É voltar-se para a população das pequenas cidades? O que você projeta como uma nova Funasa?
Roberto, a Funasa é um caso muito legal, eu acho que histórico para o desenvolvimento nacional do Brasil. A Funasa é a fusão da antiga Fundação SESP e da SUCAM. Ela nasce na década de 90, mas ela já nasce com uma história extraordinária. A Fundação SESP foi criada durante a Segunda Guerra Mundial no esforço conjunto de duas grandes nações, irmãs, que são Estados Unidos e Brasil.
Os americanos, naquele esforço de tentar melhorar a condição de vida dos chamados soldados da borracha, ajudou o Brasil a criar a Fundação SESP. Depois que terminaram os conflitos, a Fundação SESP se dedicou durante os últimos 80 anos e agora se transformando nos últimos 30 e poucos na Funasa, em melhorar o saneamento público em todo o Brasil. Naturalmente, nós fomos nos especializando mais no semiárido por causa da óbvia ausência de recurso hídrico.
Mas, nos últimos dois anos, em especial, por conta das secas muito severas que nós tivemos ligadas à crise climática, a Funasa percebeu que nós precisamos voltar às nossas origens e abrir uma nova frente de batalha para tentar melhorar a condição de vida de toda essa massa de cidadãos brasileiros que se encontra na Amazônia. Nós sempre fizemos isso, mas agora nós precisamos aumentar a escala disso. Nós precisamos enfrentar esse grande desafio logístico, que é lutar pelo saneamento dentro da Amazônia.
Então, essa é a nossa grande linha de atuação, junto com a institucionalização do PNSR e junto com a retomada na Funasa da nossa capacidade de formação e assistência técnica, sem levar conhecimento para toda a sociedade brasileira, Roberto, sem aproveitar esses espaços que são raros, mas a gente precisa lutar para ampliá-los de comunicação com a sociedade para levar a mensagem do saneamento, a gente não supera os grandes problemas que a gente ainda tem na área, dentre eles o subfinanciamento da área de saneamento. É por isso que esses espaços são tão preciosos para nós e a gente fala do saneamento quase que se a gente estivesse correndo atrás de um prato de comida, meio esbaforido, meio apaixonado, mas é porque para nós isso é absolutamente central.
Bem resumidinho, para a gente fechar e ao mesmo tempo extrair a essência dessa conversa, Alexandre, saneamento básico, impactos na vida das pessoas.
Você começou falando da dignidade, mas tem muito mais, né? Olha, a gente como saneamento básico dialoga com quase todo o governo, Ministério do Meio Ambiente, Ministério dos Direitos Humanos, Ministério da Saúde, Ministério da Agricultura, Ministério das Cidades, então o saneamento tangencia todas essas dimensões, segurança alimentar, segurança hídrica, dignidade, saúde, meio ambiente, preservação do meio ambiente, então nós somos múltiplos, mas a gente sempre resume o saneamento dizendo o seguinte, saneamento é cuidado, saneamento é dignidade, saneamento é saúde, saneamento é vida.

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