A Lei da Ficha Limpa mobilizou milhões no País. Conseguiu aprovação no Congresso em tempo considerado recorde e fez Joaquim Roriz renunciar à candidatura pelo governo do Distrito Federal. Após um ano da sua aprovação na Câmara, a lei acumularia só boas notícias não fossem as dúvidas jurídicas que ela carrega. Se não forem respondidas logo, há quem defenda que a Ficha Limpa passe a acumular frustrações. “A lei e nada será a mesma coisa”, sentencia o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante.
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Ao deixar para as eleições de 2012 a aplicação da lei, o Supremo Tribunal Federal (STF) supreendeu o eleitorado, mas não concluiu o debate. Falta resolver ainda se a Ficha Limpa pode barrar políticos com processos julgados antes da sanção da lei e aqueles com processo sem trânsito em julgado. No último caso, entra em debate a chamada presunção de inocência. Pela Constituição, ninguém é culpado ou pode sofrer pena até que não caiba mais recursos à decisão. “Se esses dois pontos não forem julgados constitucionais, a lei não terá eficácia”, considera Ophir Cavalcante.
Na tentativa de cobrar uma decisão, a OAB ajuizou no último dia 3 uma ação na qual pede esclarecimentos do Supremo para evitar que haja, como a entidade define, um cenário de “insegurança jurídica” nas eleições de 2012. No texto, a Ordem defendeu novamente a validade da lei na forma como foi formulada. Em resumo, ela poderia barrar políticos com processos, mas ainda não condenados em última instância. “A aplicação da presunção de inocência nesse caso é inadequada. Está se falando em requisitos de elegibilidade, a lei permite isso. Portanto é um requisto, não uma pena”, defende Cavalcante.
Na interpretação do advogado constitucionalista, Luiz Tarcísio Ferreira, no entanto, a presunção de inocência será o ponto mais delicado do novo julgamento do STF, ainda sem data marcada. “A lei foi muito além do que a Constituição permite. Proibir a elegibilidade atinge um direito primário do cidadão”, avalia. Para Ferreira, para a lei não ofender direitos individuais seria necessário, ao menos, que o processo de determinado político tenha duplo grau de jurisdição. Ou seja, que a primeira decisão tenha sido revista por outra corte.
Sim ou não. A segunda etapa do julgamento da Ficha Limpa não entrou na pauta de maio do Supremo até essa semana. No fim de abril, o ministro Luiz Fux manifestou, em despacho, que vai adotar o chamado “rito abreviado” para agilizar o processo. “[O tema] ostenta inegável relevância social, porquanto em jogo a validade de lei complementar, fruto de manifestação direta do povo brasileiro com a finalidade de moralizar o cenário político”, considerou no texto.
Ao contrário da avaliação da OAB, o advogado Luiz Ferreira não considera que o futuro julgamento coloque a eficácia da Ficha Limpa em risco. “É uma lei exigente e que veio para ficar”, diz. Segundo ele, se o Supremo aprovar o texto atual da lei, poderá abrir espaço para inúmeras contestações na Justiça, já que, conforme a interpretação do juiz, a Ficha Limpa desrespeitaria a Constituição. “[Se não aceitar como está], não vai acabar com a lei. Ela terá aplicabilidade, mas para quem tenha sentença condenatória em segunda instância. Acredito que o Supremo flexibilize isso. Havendo duplo grau de jurisdição, seja suficiente [para barrar o político]“, argumenta.
Efeitos. Apesar das interpretações variadas sobre sua aplicação, já existe consenso que a lei gerou bons resultados. “Essas polêmicas incentivam o debate. Conseguimos mobilizar a sociedade e tivemos casos de políticos que desistiram da candidatura por receio da lei. São ganhos que não podemos desconsiderar”, pondera o advogado Luciano Santos, integrante do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e colaborador do projeto Ficha Limpa.
Santos acompanhou o processo desde o início, em 2009. Chegou a gastar R$ 20 mil reais para bancar os custos com viagens e a elaboração do projeto. Sem esconder a frustração pela não aplicação da lei em 2010, ele se diz otimista. “Pode haver frustração de imediato, mas há o sentimento de que estamos fazendo avanços. Vemos a vontade que a população tem de mudar. [Com a Ficha Limpa] ela viu que isso é possível e necessário”, diz.
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