Laís Catassini
O agasalho cor-de-rosa e a voz suave são resquícios da infância que Helena Bueno, de 50 anos, não teve. Os pais dela tinham hanseníase e, por isso, a família foi separada à força, exatamente como ocorreu com milhares de outros bebês brasileiros entre as décadas de 1930 e 1970, quando foi implementado o isolamento compulsório para portadores da doença, que ainda hoje preocupa as autoridades de saúde.
Tirada de casa ainda bebê, Helena cresceu em um orfanato no interior de São Paulo e conta que sofreu maus-tratos. Aos 6 anos, foi adotada para ser empregada doméstica, mas conseguiu fugir. Passou por pelo menos outras seis casas até que tivesse idade para se cuidar sozinha. “Não tinha necessidade dessa violência toda”, lamenta.
Anos atrás, os portadores de hanseníase, na época chamada de lepra, eram perseguidos e enviados a colônias, sanatórios ou hospitais, forçados a viver sem contato com pessoas saudáveis. Parte desse passado veio à tona ontem, quando Helena e outras dezenas de órfãos do isolamento participaram de um seminário na Assembleia Legislativa de São Paulo para discutir uma proposta de indenização, ainda sem valor definido, e falar sobre o panorama atual da doença no País.
“A grande vergonha do Brasil é ainda não ter erradicado a hanseníase”, comenta o dermatologista da Universidade Federal de São Paulo (unifesp), Cid Yazigi Sabbag. O Brasil tem o segundo maior número de casos de hanseníase no mundo, atrás apenas da Índia, segundo dados do Ministério da Saúde. O número de órfãos do isolamento compulsório também não é pequeno: estima-se que cerca de 40 mil pessoas tenham sido separadas dos pais.
“Acharam que a gente iria morrer”, afirma a coordenadora da comissão dos filhos separados pelo isolamento compulsório do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), Teresa Oliveira.
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Entre os órfãos, histórias tristes se repetem. “Minha mãe morreu antes de eu sair do orfanato. Cresci separado da minha família, não tenho vínculo com meus irmãos. Na minha casa não comemoramos aniversários nem Natal”, conta o administrados logístico Amarildo Assis Ferreira, 45. “Fomos arrancados da família e não tivemos escolha.”
Além de superarem a dor da separação, as crianças ainda tiveram de enfrentar lares provisórios e preconceito. “Quando fui adotada era obrigada a dormir no chão da cozinha e apanhava muito”, lembra a técnica de segurança Lázara de Fátima Inácio, de 52 anos.
Dentro dos orfanatos, mais sofrimento. Os filhos separados contam que apanhavam constantemente dos monitores e eram alvos de ameaça se revelassem a violência. “A gente tinha de guardar segredo”, lembra o aposentado Luiz Rosa de Jesus, de 54 anos. “Éramos criados como porcos.”
Quando a obrigatoriedade do isolamento terminou, na década de 1970, algumas crianças conseguiram voltar para a casa de seus pais biológicos, mas nem assim o tormento terminou. “Sofríamos bullying. Não estávamos preparados para a escola e as outras crianças nos ridicularizavam por saberem que nossos pais tinham a doença e apresentavam sequelas”, afirma o motorista Joris Divino Lupe, de 53 anos.
Para tentar reparar o mal feito às crianças, o Morhan briga por uma indenização referente a um momento histórico que o movimento define – em documento que passará por todas as assembleias legislativas brasileiras – como “inacreditavelmente cruel, que só pode ser comparado ao Holocausto Judeu na Segunda Guerra Mundial”
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