Do UOL Notícias
Em São Paulo
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Capa do livro "Sex and the Vatican - viaggio segreto nel regno dei casti", escrito pelo jornalista Carmelo Abbate e lançado na Itália pela editora Piemme
"Os dois acompanhantes lhe homenageiam, espremendo-o no meio, em um
sanduíche. Envolvem-no em uma dança muito sensual. Esfregam-se,
rodeiam, esmagam-se, abrem a sua camisa, o acariciam, tocam nele. Dirty dancing
a três em uma variação homossexual. O grupo olha para eles de cima a
baixo. Apreciam. Aplaudem. Incitam. Assobiam. Cutucam. O francês [no
meio dos acompanhantes] é um padre. Poucos dias antes havia celebrado a
missa da manhã na basílica de São Pedro. No Vaticano."
A cena é de uma festa em Roma, uma entre as muitas nas qual padres,
bispos e cardeais exercem a sexualidade que as regras da sua própria
Igreja Católica restringem e condenam, de acordo com a descrição feita
pelo jornalista italiano Carmelo Abbate em seu novo livro, "Sex and the
Vatican - viaggio segreto nel regno dei casti" (em tradução livre,
"Sexo e o Vaticano - viagem secreta no reino dos castos").
O fenômeno da sexualidade na Igreja Católica, segundo o autor, é
gigantesco e complexo. Fazem parte deste mundo os padres gays que optam
por uma vida dupla; os sacerdotes que se relacionam com mulheres
clandestinamente; e mesmo os filhos desses relacionamentos, que são
abortados, escondidos ou privados de um pai pela vida inteira, para que
se evite escândalos.
“Entre os sacerdotes que não respeitam a castidade, há muitos que
têm uma verdadeira vida paralela, uma companhia fixa com a qual não
apenas fazem sexo, mas com quem vivem uma vida escondida, como marido e
mulher", afirmou Abbate, em uma entrevista exclusiva ao UOL Notícias.
O jornalista conta que a investigação, nascida de uma reportagem
publicada na revista italiana "Panorama", terminou como um extenso
mergulho nesse mundo, munido de uma câmera escondida para garantir
"provas sobre aquilo que iria contar".
E apesar de ter seu foco em Roma, Abbate garante que o cenário que
ele descreve não está restrito ao núcleo do Vaticano. "Da Alemanha à
França, da Espanha à Irlanda, da Suíça à Áustria, da Polônia à África,
da América Latina aos Estados Unidos e ao Canadá. Acontece a mesma coisa
em toda parte do mundo", afirma.
Procurada pela reportagem, a Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB) disse que não tinha conhecimento do livro e por isso não
poderia comentar os temas citados.
Acompanhe abaixo os principais trechos da entrevista.
* * *
UOL Notícias: Em seu livro, o senhor denuncia vários casos
de padres que têm uma vida religiosa tradicional ao mesmo tempo em que
também exercem sua sexualidade. Como o senhor fez a investigação para
chegar a essas histórias? Qual era o seu objetivo em publicar o livro?
Carmelo Abbate: Realizei a reportagem com uma
câmera escondida, isso com o objetivo de ter provas sobre aquilo que
iria contar. O objetivo do meu trabalho é trazer à tona a vida escondida
de grande parte do clero católico, como padres que têm uma vida sexual
secreta, tanto homossexuais quanto heterossexuais. Há padres que têm uma
companhia fixa e até mesmo filhos.
E me choca especialmente a atitude da alta hierarquia eclesiástica,
o comportamento dos bispos, quando tomam conhecimento das relações
secretas dos religiosos, as tentativas de convencer as mulheres a
abortarem, dar o filho para adoção, os contratos que garantem o sustento
e compram o silêncio das mães com relação à identidade dos pais destas
crianças.
+ sobre o livro
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[Neste trecho, o autor descreve como Michele, um italiano gay de 25 anos, conhece um padre francês em uma sauna de Roma. Tradução livre do original]
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Michele passa. Olha. Eles se olham. Depois volta. Passa de novo. A mão agarra na toalha e o puxa para dentro de uma cabine.
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Beijam-se, tocam-se, amam-se. Não é um encontro de sexo casual como de costume. Tudo é muito suave, tranquilo, educado, leve. Belo. Alcançado o orgasmo, a mão se esgueira até Michele. Aconchega-se ao seu lado, o abraça, em silêncio. Cochilam.
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O despertar não é desconfortável. Apresentam-se, a mão quer saber o que Michele faz da vida, onde mora, quantos anos tem."E você, de onde é?", diz Michele.
"Sou francês", diz a mão.
"E o que faz em Roma?", diz Michele.
"Estudo teologia", diz a mão.
"Ah, vá!", diz Michele.
"Sim", diz a mão.
"Legal", diz Michele.
"Mas você entendeu?", diz a mão.
"Claro", diz Michele.
"Se quer me fazer uma pergunta, pode fazer", diz a mão.
"Você é um padre?", diz Michele.
"Sim", diz a mão. -
(...)Michele pergunta como pode um padre não conseguir seguir o ensinamento da Igreja. Como pode não ser coerente com as coisas que prega no púlpito. Não julga. Pergunta. A mão não se esquiva. Responde. Quer ser compreendido. Fala da beleza e da grandeza do Senhor, da importância do credo. E de como um padre é antes de tudo um homem, e só depois um padre.
UOL Notícias: O senhor diz que o Vaticano conhece a questão
dos padres gays e mesmo dos abortos. Quais são as verdadeiras dimensões
do fenômeno?
Abbate: Coletar dados para dimensionar o fenômeno é
uma tarefa difícil. Difícil porque, como é óbvio, não há estudos e
tabelas oficiais, é preciso se contentar com estimativas parciais, que
não têm a pretensão de trazer a verdade científica, mas que podem ajudar
a entender quão grande é o terreno sobre o qual caminhamos.
As tentativas mais articuladas vêm dos Estados Unidos. Segundo
vários estudos do psiquiatra Richard Sipe, ex-monge beneditino e
ex-sacerdote, 25% dos padres americanos tiveram relações com mulheres
depois da ordenação. Outros 20% estiveram envolvidos em relações
homossexuais ou se identificam como homossexuais ou se sentiram em
conflito com essa questão.
No Brasil, o Centro de Estatística Religiosa e Investigações
Sociais (Ceris) realizou uma pesquisa anônima com 758 padres católicos:
41% admitiram ter tido relações sexuais. Metade se diz contrária ao
celibato.
Vamos à Europa. Eugene Drewermann, escritor, crítico, teólogo e
ex-padre, afirma que na Alemanha, em um total de 18 mil sacerdotes, pelo
menos seis mil vivem com uma mulher.
O jornal “The Guardian” fala de milhares de casos de filhos de
padres católicos no Reino Unido. Segundo Pat Buckley, bispo irlandês que
fundou um grupo de apoio para amantes de padres, pelo menos 500
mulheres na Irlanda têm uma relação com um padre católico.
E na Itália? Nada de nada. Ninguém nunca tentou esboçar qualquer
levantamento. E tente entrar em contato com os psiquiatras que
acompanham os casos mais difíceis de padres envolvidos em affaires
sexuais. Evitam você como se fosse a peste.
UOL Notícias: Então seria possível afirmar que este é um fenômeno presente no mundo inteiro?
Abbate: Da Alemanha à França, da Espanha à
Irlanda, da Suíça à Áustria, da Polônia à África, da América Latina aos
Estados Unidos e ao Canadá. Acontece a mesma coisa em toda parte do
mundo, não só em Roma e nas vizinhanças do Vaticano.
Orgias e filhos clandestinos eram parte da rotina do Vaticano no século 15, aponta HQ
UOL Notícias: O seu livro conta de padres que procuram
espaços para expressar a sexualidade, seja em bares, seja na internet,
com perfis secretos no Facebook nos quais assumem a homossexualidade,
mas que ao mesmo tempo não desejam abandonar a vida religiosa. Depois de
tudo que o senhor conheceu, como vê exigência do celibato?
Abbate: O celibato não funciona, é óbvio. Nunca
funcionou. O sexo é onipresente. Estão envolvidos nesses casos não só
padres, mas bispos e cardeais. A cultura do sigilo que permeia a Igreja
existe há milênios, ditada pelos eclesiásticos. Os eclesiásticos são um
círculo restrito que controla toda a igreja e detém todo o poder, e o
poder exige um nível de sigilo. O resto do mundo que fique na
ignorância.
UOL Notícias: O Vaticano nega os casos? Como reage a Igreja?
Abbate: Para o Vaticano, o centro do problema é o
escândalo, não o pecado individual. Porque o escândalo vai além da
questão individual e alcança a instituição, alimenta uma série de
dúvidas fortes sobre quem é envolvido. O escândalo coloca o problema de
uma Igreja que mantém a seu serviço aqueles que não cumprem com sua
missão universal, aqueles que traem essa missão. Em resumo, o escândalo
afugenta os fiéis da Igreja.
Durante o tempo em que estive envolvido com essa questão, entendi
uma coisa: a Igreja não quer problemas. O respeito aos pobres fiéis
ingênuos, salvo raríssimas exceções, é fator secundário. Muito diligente
nas declarações de princípio, muito hipócrita nas questões práticas:
esta é hierarquia vaticana. Esta é a Igreja de Roma. Seu primeiro
mandamento é salvaguardar sua espécie, uma espécie a caminho da
extinção.
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