Fernanda Bassette, enviada especial; João Carlos de Faria, especial para o Estado
TAUBATÉ - Após quatro dias de julgamento e cerca de 40 horas de debates, o júri condenou, nesta quinta-feira, a 17 anos e 6 meses três médicos acusados por homicídio, por terem retirado rins de pacientes ainda vivos em Taubaté (SP), para usá-los em transplantes particulares na capital.
André Lessa/AE
Os médicos Rui Noronha Sacramento e Pedro Henrique Torrecilas deixam o tribunal
O caso aconteceu na década de 1980 e ficou conhecido como Kalume, em referência ao médico Roosevelt Sá Kalume, autor das denúncias e à época diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Taubaté. Foram condenados os médicos Mariano Fiore Junior, Rui Noronha Sacramento e Pedro Henrique Masjuan Torrecillas.
A exposição da defesa terminou às 15h40 desta quinta. Os sete jurados - quatro mulheres e três homens - permaneceram cinco horas na sala secreta para responder às 60 perguntas formuladas pela promotoria e pela defesa: 20 para cada um dos réus. A primeira questionava se as vítimas foram submetidas à extração dos rins sem a efetiva constatação de morte encefálica.
Antes do veredicto, familiares dos médicos rezaram de mãos dadas. Quando o juiz começou a ler a sentença, Sacramento desmaiou. Houve tumulto no plenário. A defesa pediu que a câmera da Rede Globo - única emissora no recinto - fosse desligada para preservar a imagem dos réus. O juiz negou o pedido, argumentando que o fórum é um ambiente público.
Quando o magistrado retomou a leitura da sentença, familiares dos réus também passaram mal, atrasando mais uma vez o procedimento. Por fim, o juiz anunciou a condenação: os três devem cumprir 17 anos e 6 meses de prisão em regime fechado. Também serão obrigados a pagar cem Unidades Fiscais do Estado de São Paulo (Ufesps), cerca de R$ 1.745.
Perplexos, os familiares se abraçaram e choraram. Os médicos deixaram o edifício escoltados por amigos e parentes, sem falar com a imprensa. Um dos familiares de Fiore tentou agredir os fotógrafos que se aglomeravam na frente do fórum.
O promotor Márcio Augusto Frigi de Carvalho, de 33 anos, considerou a decisão histórica para a cidade e para o País. "O povo de Taubaté fez justiça", afirmou, após o julgamento. Ele considerou a pena justa e disse que não pretende interpor recurso. Para ele, a descoberta de provas convincentes foi o fato decisivo que levou os jurados a optarem pela condenação dos réus.
O advogado Sérgio Salgado Badaró disse estar inconformado com a decisão. "O júri é soberano e eu respeito a decisão. Mas o fato de eu respeitar não quer dizer que eu concorde e muito menos que eu não vá recorrer", afirmou, após o julgamento. "Respeito, discordo e recorro." Os réus poderão recorrer em liberdade.
Argumentos. De manhã, o promotor pediu a condenação, com base na tese de que os rins dos pacientes foram retirados quando eles ainda estavam vivos. Para o promotor, existia na cidade uma "central de captação" de rins, que seriam levados para a capital para serem usados em transplantes particulares.
À tarde, o advogado de defesa usou suas duas horas para expor aos jurados as razões para a absolvição. "O promotor diz que não há prova segura de que os pacientes estavam em morte encefálica. Mas há alguma prova de que estavam vivos?", disse Badaró. "Se os condenarem, vocês serão o primeiro júri do País em que os jurados condenaram médicos por matar gente que já estava morta."
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