Marta Raquel: 22 segundos de brutalidade que marcam uma vida

Jornalistas Livres
18 h
Por dois anos passei regularmente pela estação Pedro II porque um amigo morava próximo. Índio sempre estava por lá. Eu nunca comi nenhum de seus doces e balas porque nunca fui fã de doces, mas comprei algumas vezes para ajudá-lo. Sua esposa, na maioria das veze, também estava por lá. Nunca tive nenhum sentimento de carinho por Índio, afinal ele era apenas um homem desconhecido que cruzei o caminho algumas vezes.
No dia de natal vi a notícia e não pude acreditar. Decidi que não veria o vídeo das câmeras de segurança porque a vida já é cruel demais, mas num momento de raiva e ódio dos agressores, resolvi ver como havia acontecido. São 22 segundos de murros e pontapés. Um terço de minuto de pura invisibilidade que tirou a vida do único que enxergou Brasil.
Brasil é uma travesti moradora de rua que ficava próxima à estação. É preciso pontuar que este crime é um motivado pelo ódio às pessoas homossexuais. Brasil se manifestou dizendo que os rapazes não poderiam urinar nas plantas do metrô, mas o "problema" não foi apontar o erro, o "problema" foi Brasil existir.
Brasil conseguiu fugir e Índio, o único que se importou com a moradora de rua, infelizmente não teve ninguém que interviesse por ele.
Não ironicamente, o Brasil é o país que mais mata pessoas como Brasil. Em seis anos foram 604 travestis e transexuais assassinados. Os crimes de ódio acontecem, quase que na totalidade, vindos de homens. A homofobia e a lesbofobia fazem uma vítima a cada 28 horas no Brasil. Isso tem nome: intolerância e violência masculina. Os números são de um levantamento do Grupo Gay da Bahia, uma vez que a homofobia não é crime no Brasil e assim não há dados oficiais que mostrem as atrocidades que acontecem no nosso país.
Se Brasil fosse um homem sem estereótipos femininos, não precisaria fugir dos rapazes e Índio ainda estaria vivo.
É preciso dar o nome certo às coisas. Homofobia mata todos os dias. Violência masculina mata todos os dias.
Minha vida, como mulher lésbica que vive num mundo como homofobia, lesbofobia e violência masculina, mudou depois daqueles 22 segundos de vídeo. Poderia ter sido eu.
Por Martha Raquel Rodrigues • Jornalistas Livres

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