Decisão que determinou fechamento Instituto Lula é amplamente criticada por juristas

Quarta-feira, 10 de maio de 2017

Justificando


Foto: Ex-presidente Lula é recebido por militância ao chegar no prédio da Justiça Federal em Curitiba (Ricardo Stuckert).
A decisão do juiz Ricardo Augusto Soares Leite, da 10ª Vara Federal de Brasília, de suspender as atividades do Instituto Lula, organização que serve como escritório político ligado ao ex-presidente Lula com amplos poderes e influências sobre as decisões do Partido dos Trabalhadores causou choque na comunidade jurídica. Na decisão, o magistrado afirmou que “o Instituto Lula, mesmo que desenvolva projetos de intuito social, pode ter sido instrumento ou pelo menos local de encontro para a perpetração de vários ilícitos criminais”. No mesmo dia, as redes sociais trouxeram inúmeras críticas de juristas ligados à Constituição e ao campo progressista.
Ao Justificando, o Procurador da República e ex-Ministro da Justiça Eugênio Aragão classificou a medida como inédita e desproporcional, pois foi tomada de ofício pelo juiz, isso é sem que ninguém tivesse pedido tal medida, o que violaria seu papel num sistema processual contraditório. Além disso, para Aragão, a decisão tomou como fundamento fragilíssimo um afirmação solta e fora do contexto do próprio réu, quando Lula afirmou que o instituto funcionava como um “posto Ipiranga. Extrair dessa declaração desvio de finalidade é demais”.
Aragão observa ainda que “não há nenhuma conexão entre a gestão do instituto e o tema de decidir da ação penal”. “Tudo leva a crer que foi um arroubo exibicionista do magistrado que quis ter seus minutos de glória à véspera do interrogatório de Lula em Curitiba. O desvio de poder torna-se uma hipótese muito sólida para esse comportamento. Faltou ao magistrado comedimento e parcimônia, qualidades, aliás, cada vez mais raras no judiciário brasileiro” – concluiu.
Para o Professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Salah Hassan Khaled Jr.a decisão é “mais uma estocada autoritária do processo de criminalização política, cujo alcance aparentemente não se restringe mais a pessoas e partidos, abrangendo também instituiçõesQuem pode prever qual será a próxima vítima desse malfadado ativismo judicial, que não parece conhecer quaisquer limites?” – questionou.
De fato, muito se comentou sobre Lula e o PT serem julgados por magistrados que possuem uma convicção política pessoal de repulsa a eles. Entretanto, como explicou ao Justificando o Juiz de Direito da Bahia Gerivaldo Neiva, não é porque você não gosta de algo ou alguém que você deve se deixar levar pelo sentimento e ignorar as regras do processo.
“Na condição de Juiz de Direito de uma comarca no interior da Bahia, muitas vezes já tive vontade de mandar fechar o boteco da esquina que incomoda meu descanso com o som alto; muitas vezes tive vontade de mandar apreender as motocicletas que passam na minha rua fazendo barulho na madrugada, mas nunca agi dessa forma porque sei que este não é papel de um Juiz de Direito e que, por mais que me revolte com certas situações, sei que devo ser tolerante, paciente e respeitar as regras do jogo democrático” – afirmou Neiva.
O magistrado baiano conhecido nacionalmente por seu trabalho explica porque nunca levou seu desagrado com alguma situação para o campo pessoal – “Nunca agi dessa forma porque sei que as pessoas têm direito ao julgamento por um juiz competente e que respeite o direito de defesa, o contraditório e o devido processo legal. Nunca agi dessa forma porque respeito as regras processuais e, sobretudo, a Constituição Federal. Enfim, nunca agia dessa forma porque sei que sou um magistrado, um Juiz de Direito, e não um xerife de quinta categoria, um autoritário, uma besta metida a herói”.
Sobre a decisão determinou o fechamento do Instituto Lula, sob argumento de que seria um local de cometimento de crimes, Gerivaldo afirmou que tal fundamentação “não tem amparo nas regras processuais vigentes e beira ao arbítrio”.
“Nessa lógica rasteira [de que o Instituto deveria ser fechado, uma vez que ocorreria crimes no local], sua excelência deveria também mandar fechar as ruas, bares, certos palácios, boa parte do morro, muitas delegacias, muitas repartições públicas, ou seja, deveria instaurar de vez o estado de sítio” – completou o magistrado.

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