Depoimento de uma jovem que odiava o PT, a esquerda e Lula. O que mudou?
Luiz
Inácio Lula da Silva tornou-se Presidente da República quando eu tinha
13 anos – entre 2003 e 2010 – e, nesses oito anos de mandato, senti
muita raiva do sujeito. Não consigo lembrar exatamente desde quando ou
por que, mas desde que me conheço por gente eu tenho uma certeza: que
ódio desse Lula ignorante.
Em
partes, porque minha família inteira o detesta também. Cresci ouvindo
comentários da piada que ele era. De como supostamente arrancou um dedo
só para ganhar um processo contra a fábrica que trabalhava. E, o mais
chocante: porque não tinha educação. Como assim? Quer ser Presidente do
Brasil e só fez até a quarta-série? Até eu já tinha passado da
quarta-série. Diziam também que era analfabeto e não sabia escrever ou
ler – circulava sempre uma sátira dele lendo um livro de ponta cabeças.
Pessoalmente eu tinha minhas dúvidas em relação ao fato, afinal
aprende-se a ler antes da quarta-série.
Outra
razão e objeto de canalização do meu ódio era o partido que ele
representava. *Insira um palavrão*, o PT. Quem conseguia apoiar o
Partido dos Trabalhadores? Eu ficava revoltada porque meu número na
chamada na escola foi o 13 por três anos seguidos. Também não gostava de
vermelho e evitava a cor. Nunca me esqueço do ano em que, para as
Olimpíadas do Colégio, minha turma teve que ficar com a camisa vermelha –
e o meu número era o treze, imaginem que vergonha eu passei.
Oras,
o PT e o Lula já eram a escória da sociedade brasileira mesmo antes de
estarem no poder. Mesmo antes do Lula ser Presidente eu já odiava o Lula
e nós já sabíamos que ele era um ignorante. A voz dele irritava, e o
fato do partido dele representar a esquerda. Ah, a esquerda! – ameaçava a
paz global. Pra ser sincera eu também não sei desde quando comecei a
ver a esquerda como a representação do mal na Terra, porém eu tinha as
explicações que recebia: Che Guevara comunista matou milhares, comunismo
é satanismo e o MST é uma barbaridade. Ok, no fundo eu não sentia nem
vergonha por não saber explicar o meu ódio.
Quando
entrei na faculdade de Relações Internacionais em 2010, era ano de
eleições. E com informação, meu ódio cresceu. O curso estava dividido
entre PSDB e PT, e eu obviamente, andava pelos corredores com meu
“Serra” no peito. Para meu primeiro trabalho importante como
universitária, na aula de Introdução à Política Externa, me propus a
estudar e promover o debate “As Propostas de Política Externa dos
Candidatos a Presidente do Brasil” – José Serra e Dilma Rousseff (Deus
me livre, a Dilma).
Em
resumo, depois de dois meses de pesquisa a minha conclusão me irritou:
basicamente a política externa de Lula e do PT estavam trazendo o país
para o seu momento mais privilegiado no cenário internacional, e a
proposta de Serra levava para outro caminho. Por fim, tentei disfarçar
mas apresentei o estudo e a conclusão. Ainda assim votei pelo PSDB
naquele ano, e ainda assim tive muita raiva e “ameacei sair do país”
quando Dilma foi eleita. Também culpei o Nordeste analfabeto por não
saber votar e comprar os votos pra ganhar esmola do bolsa-família.
E
saí do país, fui fazer o primeiro intercâmbio (trabalhar em uma fábrica
nos Estados Unidos) e, aprendendo melhor o inglês, também fiz um curso
online oferecido pela ONU na época: Os Desafios da Fome no Mundo. No
primeiro texto eu já queria desistir. “Caso de estudo Brasil: a política
social que tirou o país do mapa da fome”. É claro que enaltecia o
programa Bolsa Família e o ex-Presidente Lula. Será que os doutores
conheciam o Lula e o PT? Ah, que raiva. Que raiva por que mesmo?
Quem
nunca se sentiu uma pessoa ruim por odiar um alguém sem saber explicar o
porquê? -Principalmente nós, mulheres, que fomos educadas para ver a
outra como inimiga e ameaça, e o fazemos assim até a maturidade chegar
através de informação e experiências (quando ela chega) – enfim, comecei
a perceber então que o que agora mais me dava raiva era que eu não
sabia do que estava falando. Afinal, o problema do Brasil era a
desigualdade e vilão nesse caso poderia ser o neoliberalismo,mas não era
o Bolsa-Família ou o Lula.
A
minha ficha caiu quando realmente olhei para uma charge na Veja (a
revista que meus avos assinam e eu lia assiduamente): O ex-presidente
Lula aparecia montado em um jegue cheio de malas e bolsas, e a legenda
“mais um nordestino que veio pra São Paulo sem saber o que fazia” me
deixou horrorizada. Esqueci o político naquela imagem e lembrei que essa
era uma referência a um povo. Que horror. Era isso que eu pensava.
Racista e preconceituosa. Sem a menor empatia. Achando que eu era melhor
porque estava no Sul do país. Que bom que eu só tinha 22 anos e ainda
dava tempo de me desconstruir.
Ainda
faço esse exercício quando me surpreendo com sentimentos negativos a
algo ou alguém. Pergunto-me o porquê e espero saber responder com
lucidez. Hoje, admiro o Presidente que Lula foi e acompanho a
perseguição que sofre, enquanto outros políticos estão envolvidos em
escândalos maiores, mas não causam nem metade da indignação. Eu não
tenho problemas se o Lula for preso – se fez errado, que pague. Porém
como disse uma amiga “se contra fatos não há argumentos, contra a falta a
de provas, qual é o argumento?”.
P.S:
É claro que toda vez que um texto que não ataque o Lula seja publicado
já se espera ser rotulado como “defender bandido”. Mas aí isso já é
analfabetismo funcional, e tudo bem, eu tento entender. Também já fui
assim.
Cristina Diniz
Bacharel em RELAÇÕES INTERNACIONAIS – UNIVALI/Santa Catarina
Global Development Specialist na Youth for Understanding
Austin, Texas, 11 de maio de 2017
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