Maurício Luís Maioli*: O aumento do PIS/Cofins viola a Constituição


Maurício Luís Maioli*
25 Julho 2017 | 17h41
Indo direto ao ponto, o aumento das alíquotas do PIS/COFINS combustíveis viola ao menos duas regras bastante claras e objetivas: primeiro, não poderia ocorrer por meio de Decreto Presidencial; e, segundo, mesmo que isso fosse possível, deveria valer somente após 90 dias da sua publicação.
Decisivo nesse momento é lembrarmos o que está por trás desses argumentos. Não sob o ponto de vista econômico ou político, mas estritamente jurídico.
O Direto Tributário é primordialmente um Direito de defesa. Sua finalidade é proteger o cidadão contra eventuais arbitrariedades cometidas pelo Estado. Note-se que a criação ou o aumento de qualquer tributo, necessariamente, atinge dois direitos fundamentais extremamente relevantes não só ao Brasil, mas a outras democracias, que são o direito à liberdade e o direito à propriedade.
Quando um tributo tem sua carga elevada, nossa propriedade é diminuída. Trata-se da violação mais evidente aos nossos direitos fundamentais. Daí nossa intuitiva reação contrária. Todavia, nossa liberdade também é afetada com a mesma intensidade. A elevação da carga tributária pode nos impedir de comprar determinado bem, de usufruir determinado serviço ou de realizar determinada ação.
Qualquer pessoa, seja qual for sua orientação política, deve ter resguardados os seus direitos de liberdade e propriedade. Apenas naquelas raríssimas situações previamente autorizadas pela Constituição é que tais direitos fundamentais podem ser relativizados.
Destaque-se que a finalidade da elevação do PIS/COFINS combustíveis é irrelevante. É dizer, não se está valorando as decisões políticas tomadas. Sob a perspectiva jurídica, referido aumento é inconstitucional em razão da forma pela qual promovido pelo Poder Público. E não se trata de forma pela forma. Pelo contrário, são formalidades concebidas por nosso sistema jurídico para resguardar justamente aqueles direitos fundamentais.
Daí que a Constituição previu, dentre outras garantias, que é vedado à União aumentar tributo sem lei que o estabeleça, bem como que é vedado à União cobrar tributos antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os aumentou.
São duas regras muito claras e que só podem ser afastadas caso a própria Constituição preveja expressamente alguma exceção. O que não ocorreu em relação ao PIS/COFINS combustíveis.
A necessidade de lei para o aumento de tributos é a expressão do próprio princípio democrático. É uma condição que atende àquele antigo pleito dos cidadãos de só aceitarem ser tributados caso concordem com tal tributação, ainda que por meio de representantes. É o antigo “No taxation without representation.” que remonta à Magna Carta do ano de 1215.
Na situação ora analisada, no Brasil, mais de 800 anos depois da Magna Carta, ainda temos tributos sendo aumentados por meio de Decreto Presidencial. Sem a consulta aos representantes dos cidadãos.
Alguns defendem que a lei 10.865/04 previu determinadas alíquotas, e que a própria lei delegou a competência para o Poder Executivo de fixar coeficientes de redução de tais alíquotas, e de alterar tais coeficientes para cima e para baixo.
Contudo, a Constituição não previu a possibilidade de uma lei delegar ao Poder Executivo a competência de aumentar esse tributo específico. A Constituição previu essa forma de tributação para outros casos (CIDE-combustíveis e ICMS-combustíveis), mas não para o PIS/COFINS combustíveis. E se a Constituição assim não previu, não pode uma lei conceder poder ao Executivo para aumentar tributos.
A pergunta que fica é se caberia ao chefe do Executivo reduzir tributos por meio de Decreto, que foi o que ocorreu em 2004 (Decreto 5.059). A resposta é afirmativa, e isso ocorre sem qualquer violação à Constituição. O motivo é simples. Quando ocorre a redução de tributos os direitos fundamentais de liberdade e propriedade não são reduzidos, mais, pelo contrário, são ampliados. Por conta disso a garantia Constitucional de exigência de representatividade não precisa ser respeitada para redução de tributos.
Mas o contrário não é verdadeiro. O aumento de tributo por meio de Decreto, sem a previsão dessa possibilidade na Constituição, é vedado, pois na gênese, a Constituição está protegendo a liberdade e a propriedade de todos os cidadãos.
A segunda regra violada é a necessidade de respeitar a noventena (90 dias) para o aumento do tributo. Essa regra tem fundamento na segurança jurídica. Na proteção da confiança que o cidadão tem em relação aos atos praticados pelo Estado. Na proteção de seu direito de não ser pego de surpresa. Na exigência de que o ordenamento jurídico seja dotado de previsibilidade. Na garantia de que o cidadão – destinatário das normas jurídicas que é -, tenha conhecimento antecipadamente das regras que lhe irão afetar. Principalmente quando tais regras irão reduzir sua propriedade e tolher sua liberdade.
Novamente aqui a Constituição foi bastante clara. Previu, como regra geral, a possibilidade de aumento de tributo somente a partir do ano seguinte, e cumulativamente a partir de 90 dias após a publicação do aumento. As exceções a tais regras encontram-se elencadas expressamente na Constituição e somente elas devem ser válidas.
Em relação ao PIS/COFINS combustíveis está expresso que não há necessidade de se aguardar o próximo exercício para exigir o aumento do tributo. Porém, não há qualquer previsão que afaste a necessidade do respeito à anterioridade de 90 dias. Sendo assim, ainda que o Decreto seja considerado válido, ele somente terá efeitos a partir de tal período.
Confiamos que o Poder Judiciário em geral, e o Supremo Tribunal Federal especificamente, promova e dê efetividade às garantias constitucionais, como vem fazendo ao longo de sua história. Espera-se, portanto, que a elevação do PIS/COFINS sobre os combustíveis seja afastada, como resguardo aos direitos fundamentais de liberdade e propriedade dos cidadãos.
*Maurício Luís Maioli
Coordenador da Especialização em Direito e Gestão Tributária da Unisinos e advogado sócio do Andrade Maia Advogados

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