Kupfer: aumento do IR era ‘balão de ensaio’ para revisão da meta

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José Paulo Kupfer – ex-Estadão, agora em O Globo – , que faz jornalismo econômico sem “caras e bocas” nem chavões, descreve melhor do que este blog faz, no post anterior, como a conversa fiada sobre aumento do imposto de renda era apenas preparação de terreno para a revisão da meta fiscal. Ou, se preferirem, para o anúncio do “rombo do rombo”.

‘Taxação de rendas mais altas parece balão de 
ensaio para facilitar aceitação da revisão da meta’

José Paulo Kupfer, n’O Globo
Não era preciso que líderes da própria base aliada do governo no Congresso e lideranças empresariais manifestassem aberta e imediata resistência aos anúncios de que estão em estudos, na área econômica, medidas para elevar a tributação sobre a renda — do trabalho e do capital — dos extratos mais ricos da população. É intuitivo que não seria nada fácil passar um pacote com essas características, dadas a composição da carga tributária brasileira, reflexo de um sistema tributário fortemente regressivo e injusto, e a composição do Congresso, onde as medidas teriam de ser aprovadas.
Pode-se, então, especular sobre os objetivos dos balões de ensaio agora lançados pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e confirmados em seguida pelo presidente Michel Temer, mas quase como uma possibilidade teórica. Considerando o perfil dos parlamentares e as forças no Congresso, uma hipótese plausível é que não se trata de um pacote de medidas para valer, mas lançado ao ar para facilitar a aceitação de uma revisão para cima da meta fiscal do ano — hoje fixada em um déficit de R$ 139 bilhões — e, quase em consequência natural, da meta de 2018 — déficit de R$ 129 bilhões.Revisar a meta fiscal é quase um imperativo.
Está claro que, no curto prazo, a arrecadação não vai aliviar a pressão — julho promete nova decepção, depois de um suspiro no mês anterior, e a perspectiva para o resto do ano não é muito animadora. Além disso, também é certo que o corte de gastos já está no limite — o que tem sido podado é bem mais do que o teto de despesas do ano exige.
Ocorre que, se o ritmo de redução das despesas tem se mostrado mais intenso do que o recuo da receita, este é igualmente forte para praticamente inviabilizar o cumprimento da meta. Em resumo, a conta não fecha sem cortes que paralisem mais e mais serviços prestados ao público ou aumentos de carga tributária — por medidas permanentes ou pelo quebra-galhos de receitas extraordinárias. Tudo ponderado, não é despropositado imaginar que o esforço verdadeiro do governo para tentar evitar uma revisão da meta se dará mesmo na busca de receitas extraordinárias. Uma reforma estrutural, que alterasse o sistema tributário segundo o princípio básico de que quem pode mais contribui mais, vigente em outras sociedades, mas não entre nós, seria o ideal.
Não é, contudo, de uma hora para outra que essa mudança pode ser feita e muito menos de cunho parcial. Embora a criação de alíquotas mais altas do Imposto de Renda para rendas mais elevadas e a taxação de lucros e dividendos, aproximando o sistema brasileiro do resto do mundo, sejam medidas na direção desejável, elas embutem questões complexas de escolhas entre equidade e eficiência econômica que não deveriam ser adotadas em fatias e fora de contextos mais amplos.

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