24/09/2017

Nesta segunda, lançamento do Fórum Alternativo: Água não é mercadoria, como querem corporações

24 de setembro de 2017 às 10h01

viomundo
Montagem com fotos da Agência Brasil
por Conceição Lemes
Nesta segunda-feira (25/09), acontece em São Paulo o lançamento internacional do Fórum Alternativo Mundial da Água – FAMA2018.
Participam as 33 entidades que já compõem a coordenação nacional (veja lista ao final), além de organizações de Argentina, Uruguai, Chile, Equador, Colômbia, Bolívia, Paraguai, Peru, Costa Rica, Estados Unidos, Canadá, Espanha, Itália e Palestina.
Contraponto fundamental à 8ª edição Fórum Mundial da Água (FMA), que será em Brasília, de 18 a 23 de março de 2018.
O nome dá a impressão de representar as necessidades da maioria dos povos do planeta em relação ao acesso à água.
Só que não. Na prática, o objetivo do FMA é oposto: privatizar as fontes naturais e os serviços públicos de água.
Leia-se: água é mera mercadoria e não um direito, como defende o FAMA2018.
“O FMA é simplesmente uma feira de negócios das grandes corporações do setor de água”, atenta Edson Aparecido da Silva, coordenador nacional do FAMA2018.
“A portas fechadas, com acesso privilegiado a decisões de governos, elas bloqueiam o avanço de políticas públicas globais que tentam resolver a crise de acesso à água”, denuncia.
Só que desta vez o “Fórum das corporações” não estará sozinho no palco.
De 17 a 19 de março de 2018, acontecerá também, em Brasília, o Fórum Alternativo Mundial da Água, que reunirá organizações e movimentos sociais do Brasil e exterior, que lutam em defesa da água como direito elementar à vida.
Detalhe: o FAMA nasceu no Brasil, em fevereiro de 2017.
Foi uma iniciativa de entidades que se aglutinam no Coletivo de Luta pela Água, entre as quais,  Central Única dos Trabalhadores (CUT), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), Federação de Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp) e Central de Movimentos Populares (CMP).
Para saber mais detalhes, o Viomundo entrevistou Edson Aparecido. Ele é especialista em questões de água e saneamento.
Viomundo — Afinal, o que pretende o FAMA?
Edson Aparecido — Bem, o Fórum Alternativo Mundial da Água é uma iniciativa de dezenas de entidades da sociedade civil e movimentos sociais do Brasil e do exterior, que entendem a água como direito elementar à vida e se posicionam contra a sua mercantilização.
Queremos unificar a luta contra a tentativa das grandes corporações de transformar este direito em recurso inalcançável para muitas populações, promovendo exclusão social, pobreza, doenças.
Viomundo — Mas o FAMA nasceu aqui?
Edson Aparecido — Sim, das discussões do Coletivo de Luta pela Água, surgido em São Paulo, em resposta à grave hídrica que a região metroplitana enfrentou em 2014, lembra-se?
Em fevereiro de 2017, o fundamos graças à articulação de  movimentos e entidades envolvidos nas questões água e saneamento do Brasil. Felizmente, logo tomou dimensões internacionais. Tanto que entidades de vários países estarão presentes ao lançamento, nesta segunda-feira.
Viomundo — Qual o significado do dia 25?
Edson Aparecido — Daremos um passo efetivo em relação ao processo de articulação internacional, já que o lançamento terá a presença de representantes de organizações da América Latina, Europa, Canadá, Estados Unidos, Índia, África do Sul e Palestina.
Nesse dia, teremos duas palestras fudamentais para a compreensão do que está acontecendo. Uma é do professor Leo Heller (veja PS do Viomundo), relator especial da ONU pelo direito a água e saneamento. A outra, do também professor Rodrigo de Freitas Espinoza (veja PS do Viomundo), que falará sobre  “A Construção Discursiva do Conselho Mundial da Água,  entidade que organiza o 8º Fórum Mundial da Água.
Viomundo — Por que vocês denominam o Fórum Mundial da Água  de “Fórum das corporações”?
Edson Aparecido — Porque o 8º FMA reúne grandes corporações da água e do saneamento mundiais, com forte viéis privado. Na prática, uma feira de negócios, para as multinacionais do setor de água e saneamento.
A portas fechadas, com acesso privilegiado a decisões de governos, elas bloqueiam o avanço de políticas públicas globais que tentam resolver a crise de acesso à água. Nessa medida, não o consideramos um espaço para tratar de uma questão crucial para toda a humanidade.
Viomundo — Segundo o manifesto do FAMA (na íntegra, ao final), nos últimos 15 anos, ocorreram, pelo menos, 180 casos de remunicipalização dos serviços de saneamento em 35 países, tanto do hemisfério Norte como do Sul. O documento menciona Atlanta e Indianápolis (EUA), Accra (Ghana), Berlim (Alemanha), Buenos Aires (Argentina), Budapest (Hungria), Kuala Lumpur (Malásia), La Paz (Bolívia), Maputo (Moçambique) e Paris (França). O que aconteceu para cidades voltassem atrás?
Edson Aparecido — Essa tendência remunicipalização/reestatização do saneamento no mundo começou no ano 2.000. Na época, só se conheciam três casos. Atualmente, já são 267. As razões são várias, entre as quais: tarifas abusivas; contratos descumpridos; desejo do poder público de recuperar o controle dos recursos locais, para proporcionar serviços acessíveis e melhorar a gestão ambinetal .
Viomundo — Mas, ao mesmo tempo, assistimos no Brasil ao movimento de privatização da água: Sabesp, as hidrelétricas que Michel Temer e quadrilha querem privatizar. Se isso se confirmar, as respectivas passarão a ser dos investidores.
Edson Aparecido — São situações diferentes.Uma coisa é a privatização dos serviços de saneamento, que pode se dar através de, por exemplo: concessão plena (água e esgoto) ou concessão parcial (só água ou só esgoto); parceria público-privada, muito em voga; locação — empresa privada constrói determinada obra, que depois é “alugada” pelo poder público até a amortização dos investimentos; terceirização de serviços ou venda de ações, como é o caso da Sabesp.
Já a privatização dos recursos hídricos pode se dar, por exemplo, através da compra de terras.
Estudo publicado no “Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States” estima que, por ano, cerca de meio trilhão de metros cúbicos de água potável compõe acordos de compra ou arrendamento de terras entre empresas e países. O estudo considerou centenas de acordos transnacionais assinados entre 2005 e 2009.
Esse mesmo estima também que até 90% do volume de água apropriada no mundo têm como finalidade a agricultura e a pecuária, além da produção de biocombustíveis e a especulação financeira.
Viomundo — Em termos de Brasil, em que pé está a privatização da água?
Edson Aparecido –– As empresas privadas atendem 316 municípios, ou seja, 5,6%. Seis companhias do segmento de saneamento concentram 95% dos negócios privados no país: OAS, GS Inima, Brookfield (ex-Odebrecht Ambiental), Águas do Brasil, Aegea e CAB Ambiental.
Viomundo — A água é o petróleo dos novos tempos?
Edson Aparecido — Com certeza, já é. Segundo a ONU, nas últimas décadas, o consumo de água cresceu duas vezes mais do que a população e a estimativa é que a demanda cresça ainda 55% até 2050.
Mantendo os atuais padrões de consumo, em 2030, o mundo enfrentará um déficit de 40% no abastecimento de água.Os dados estão no Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento de Recursos Hídricos 2015 – Água para um Mundo Sustentável.
Viomundo — A população tem consciência dessa nova tragédia que se avizinha?
Edson Aparecido – Não. Esse deveria ser um trabalho dos meios de comunicação de massa, escolas.
Porém,um quadro como esse só será revertido com mudanças do padrão de desenvolvimento capitalista que tem como principal orientação a busca incessante pelo lucro e o desprezo pelas reservas naturais e estratégicas para o desenvolvimento do planeta.
É preciso construirmos juntos o que já está sendo chamado de nova cultura pela água para a preservação do planeta.
A construção e a realização do FAMA2018, em Brasília, fazem parte deste esforço.
Viomundo — O que será debatido no FAMA2018? 
Edson Aparecido — Os temas centrais serão o controle social das fontes e acesso democrático à agua, assim como a luta contra as privatizações de mananciais e barragens.
Também serão debatidos e defendidos os povos atingidos por barragens, serviços públicos de água e saneamento e as políticas públicas necessárias para o controle social do uso da água e preservação ambiental. É o único caminho para tentarmos garantir o ciclo natural da água em todo o planeta.
PS do Viomundo: Leo Heller atua principalmente nos temas de abastecimento de água, saúde ambiental e políticas públicas. É pesquisador do Centro de Pesquisa René Rachou, Fiocruz/Minas. Já foi professor titular do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no qual atua como professor voluntário.  Desde 2014, é relator especial do Direito Humano à Água e ao Esgotamento Sanitário, das Nações Unidas.

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