Marcelo Pimentel foi contemporâneo do irmão de Bolsonaro na Aman e conviveu com oficiais que, ao virar generais, atuaram para desestabilizar o governo de Dilma Rousseff
247 - O coronel da reserva Marcelo Pimentel disse em entrevista à TV 247 que, se os comandantes militares que estimularam a indisciplina e violaram princípios democráticos não forem "responsabilizados de alguma forma", o Brasil voltará a sofrer com os mesmos problemas daqui a vinte ou trinta anos. "É um problema contratado", disse ele a Joaquim de Carvalho, na terceira parte do programa Boa Noite de quinta-feira (13/04).
"Por mais iniciativas que o governo atual tenha de tomar para adotar medidas para sanar, esse problema, pelo aspecto geracional, já está contratado para que, quando a geração de hoje – de jovens capitães, tenentes, cadetes –, que está vendo os seus generais protagonistas (desses atos), quando essa geração chegar, daqui a vinte, trinta anos, chegar ao generalato, (e se) essa geração (de comandantes) agora não for responsabilizada de alguma forma, isso tende a se repetir e a gente ficar no eterno retorno, um eterno regresso histórico", afirmou.
Marcelo Pimentel é graduado pela Academia Militar das Agulhas Negras (Aman, turma de 1987), com mestrado em Ciências Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais. Em mais de 30 anos no Exército Brasileiro, exerceu sucessivas funções de comando e outras funções relevantes, destacando-se as de instrutor da Escola Preparatória de Cadetes do Exército; comandante da tropa do III Contingente Brasileiro da Força de Paz da ONU no Timor Leste; oficial de Operações; oficial de Inteligência; analista de Inteligência e Contrainteligência nível estratégico; e subcomandante de Batalhão de Polícia do Exército.
Após sua passagem à reserva do Exército, atuou como consultor de Inteligência e contrainteligência junto a empresas, associações, condomínios e instituições; e como palestrante para entidades ligadas à indústria e ao comércio. Desde 2018, tem escrito artigos em que critica a politização nos quartéis e usou a expressão Partido Militar.
Segundo ele, a candidatura de Bolsonaro nas eleições de 2018 fez parte de um projeto de poder protagonizado por comandantes militares, incluindo os da Força Aérea e da Marinha, que eram cadetes, tenentes e capitães nos anos 70 e 80. Muitos deles foram contemporâneos de Bolsonaro na Aman.
"A geração do Bolsonaro, nos anos 88, 87, era capitão como ele, e na última década estava comandando o Exército. Eu assisti tudo isso como oficial que saiu da Aman em 87, quando Bolsonaro promovia atos de insubordinação no Rio de Janeiro, quando houve os eventos do croqui, da matéria da Veja. Ele era uma fonte jornalística de uma determinada jornalista setorista. A gente não pode esquecer que o chefe da sucursal de Veja era Ali Kamel, o grande protagonista editorial da Rede Globo já faz algum tempo", comentou.
Essa geração, segundo ele, ficou em silêncio quando Bolsonaro foi punido por indisciplina, quando informou à repórter de Veja que preparava atos terroristas para obter vantagens corporativas aos militares. Mas o silêncio não significa discordância, mas estratégia. "Aqueles capitães, colegas de Bolsonaro ficaram calados ao longo da carreira e procuraram se desvincular do colega para não se queimar nas suas ascensões profissionais", afirmou.
Nos anos 90, chegaram ao posto de coronel e tenente coronel, e passaram a integrar o Estado Maior do Exército. Nos anos 2000, nos dois primeiros governos de Lula, foram promovidos a generais e atuaram em missões importantes, no Brasil e no Exterior. A partir de 2010, passaram a ocupar postos de comando do Exército.
"O ano de 2015 é fundamental, porque de 2008 até 2014 o presidente Lula e a presidenta Dilma tinham como comandante do Exército o general Enzo Martins Peri, que é um oficial oriundo da arma de Engenharia, engenheiro militar pelo IME, com uma personalidade muito tranquila e muito calma. Mas em 2015 foi escolhido para comandar o Exército o general Villas Boas, que grande parte da imprensa, da própria política, da academia, reputava como um democrata, um legalista inquestionável", relembra.
A crise política, que levaria à deposição de Dilma de Rousseff, se acentuou a partir da posse de Villas Bôas como comandante militar. "O fator militar é preponderante (na crise). Existiram outros fatores que contribuíram para isso, mas essa questão geracional explica isso. E muita gente ainda tem dúvida. Parece que as pessoas veem o Exército e não raciocinam que as gerações vão mudando no comando do Exército. E calhou da geração Bolsonaro estar comandando o Exército na última década, quando aconteceram todos estes fatores, como a Lava Jato", diz.
A força-tarefa de Curitiba, segundo ele, foi um fator importante para "recriar uma relação histórica que vem lá do Segundo Império, entre a magistratura, lideranças da magistratura e lideranças militares, como fatores de estabilização do Estado, da fundação das instituições, algo que hoje é anacrônico, porque, se antes havia esse papel histórico, no Segundo Império, no início da República, em alguns momentos da República, mas depois do advento da Constituição de 88 e das lições da nossa história em relação ao pós-ditadura, é inadmissível que esse fenômeno do protagonismo político, de poder hierárquico das Forças Armadas, esteja de novo aí.".
Marcelo Pimentel se formou pela Aman um ano antes de Renato Bolsonaro, irmão de Jair, e viu o colega se transformar em um vendedor de objetos feitos com retalhos de paraquedas. Hoje, Renato é um rico empresário no Vale do Ribeiro, São Paulo, e foi funcionário fantasma na Assembleia Legislativa, ligado ao grupo de Valdemar da Costa Neto, presidente do PL, abrigo de Jair Bolsonaro.
O coronel da reserva foi perseguido pelo Exército durante o governo Bolsonaro com processos administrativos, embora já estivesse na reserva, por suas manifestações contrárias à politização nos quartéis. Pelo que disse na entrevista, não se arrepende. Ele é contra essa politização em qualquer época e ligada a qualquer ideologia, mas destaca que a atual geração defende bandeiras políticas danosas à democracia.
"É um projeto absolutamente neoliberal, sem dissidência, sem outras visões, um projeto que se aproxima de concepções bastante autoritárias de Estado, até com ideologias relacionadas ao neofascismo, ao neonazismo. E um grave fisiologismo, aquela ocupação de cargos para aumentar capitais sociais, aumentar capitais econômicos, e isso é muito ruim, porque desgasta a nossa imagem como instituição e como indivíduos que pertencemos a ela".
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