Esta história começa nos anos 60 quando
partilhávamos de uma infância feliz em uma cidade do interior do estado de São
Paulo. No dia 1 de abril de 1964, vimos
quando o exército marchou pelas ruas de Bauru para mostrar que a lei de exceção
estava em vigor no Brasil, e que os militares tinham desfechado o golpe de 1964
e, assim derrubado um presidente eleito democraticamente, e o pior, morria ali
o sonho de milhões de brasileiros que vislumbravam um País mais justo,
democrático e inclusivo. Nesta época eu
tinha 9 anos e na verdade não tinha muita consciência do que estava
acontecendo, salvo algumas conversas que ouvia entre meu tio e meu avô, e também pelo fato de meu pai ter fugido da
cidade em que trabalhava como dentista, perseguido pela repressão.
O mundo de então estava em ebulição nos costumes,
na música e, principalmente na política.
Por um lado The Beatles, Rolling Stones, Festival
de Monterey, Woodstock, o movimento hippie, os protestos estudantis da França
em 1968 e também a Primavera de Praga no mesmo ano, quando Dubseck tentou dar
uma face humana ao “Socialismo” e teve seu sonho e do povo Tcheco esmagado
pelos tanques soviéticos.
Olhamos tudo de longe, vivíamos em Bauru e a opção
do meu grupo foi de contestar o regime militar tentando nos engajar nos
movimentos da derrubada dos costumes e tabus vigentes, pois éramos muito
infantis para pensar em política. Pois
uma revolução não acontece somente quando se empunha armas, mas principalmente
quando se muda conceitos, se derruba costumes e tabus, transformando assim o
modo de pensar da sociedade.
Neste contexto assumimos o “Centro Cívico”, da
escola estadual em que estudávamos e começamos ali nossa “revolução”. Esta escola elitista através de sua direção
não demorou muito para tentar frear as mudanças que tentávamos implantar, mas
fomos em frente; já que tínhamos o apoio maciço dos alunos que esperavam de nós
algo em que acreditar. Lembro-me das
xispadas (para quem não sabe o que significa era correr pelado pelas principais
ruas da cidade como forma de protestar
contra a ordem vigente), das noites em que ficávamos muito “loucos” sentados na
rampa da escola Senai da Rua Virgílio
Malta, olhando para as estrelas e refletindo sobre os livros de Carlos
Castaneda. Já no cursinho não posso me
esquecer do Jornal “O Vagalume”, que criamos em pleno Governo Medíci e também
do Grupo de Teatro Momento que em 1975 encenou a peça” Herrare Humanun Est.”
Veio a faculdade, nossas lutas pela
redemocratização, as diretas já e, finalmente a eleição direta de um civil para
Presidência da República. Mas a situação
de nosso povo pouco mudou.
Precisou que em 2002, um operário fosse eleito
Presidente para que o País começasse a mudar.
Nestes 8 anos aqueles que estiveram esquecidos por 500 anos puderam
voltar não só a sonhar mas principalmente ter a certeza que suas vidas estavam
mudando definitivamente.
Este texto é dedicado ao Marco Antonio (Turco),
Kamelzinho, Gilson, Alvaro, Maria Helena, Claudia, Paulo Neves e tantos outros
amigos que ajudaram a forjar minha personalidade.
Emir Bechir
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