20/07/2011

''Agora nem saudade do filho a gente pode matar mais?''



Vítima ainda não sabe se fará plástica porque não tem como pagar cirurgia; polícia abriu inquérito, mas ninguém foi preso


Tatiana Fávaro / CAMPINAS - O Estado de S.Paulo
ENTREVISTA
Luis Cleber
Luis Cleber
Homofobia. 'Horror', resume autônomo atacado no interior
HOMEM QUE TEVE ORELHA DECEPADA APÓS ABRAÇAR O FILHO E ACHAREM QUE ELE ERA GAY

O autônomo de 42 anos que teve parte da orelha decepada porque estava abraçado ao filho está assustado. Morador da área rural de Vargem Grande do Sul, no interior paulista, ele conta que estava em uma festa agropecuária em São João da Boa Vista na quinta-feira quando foi atacado por seis ou sete rapazes que acharam que eles eram um casal gay. Após pedir para não ser identificado, ele contou que ainda não sabe se vai fazer plástica, porque não tem dinheiro. Sobre os agressores, diz que "nem sabe o que pensar". "A gente sai de casa numa boa, para se divertir, e acontece uma coisa dessas. É um horror." Ontem, a polícia abriu inquérito para apurar o caso. Um agressor chegou a ser detido ontem por crime de lesão corporal, mas foi liberado.
O senhor se lembra do que houve no momento em que foi atacado com seu filho?
Meu filho veio de São Bernardo do Campo na quinta-feira para a gente ir para a festa. Eram mais ou menos 11 horas da noite quando fomos ver o show da dupla Jorge e Mateus na Eapic (Exposição Agropecuária, Industrial e Comercial de São João da Boa Vista). Eu com a minha namorada, meu filho de 18 anos com a dele, uma menina. Quando acabou o show, por volta de 3 horas da manhã, elas foram até o banheiro e eu fiquei com o meu filho. Eu dei um abraço nele. Aí um grupo de seis ou sete caras chegou perto da gente e perguntou se a gente era gay. Respondi que não, que ele era meu filho, que a gente era pai e filho. Mas os meninos começaram a tirar sarro, zoar e dizer: "Vocês estão mentindo, vocês são gays sim, pode dar um beijo aí que a lei libera". Aí começou um empurra-empurra. A gente não queria confusão, sabe, então tentou sair de perto. Aí deu uns cinco minutos e senti uma pancada por trás, que pegou no meu queixo.
Foi nessa hora que, segundo quem estava no local, você perdeu a consciência e, quando voltou, estava ensanguentado e sem um pedaço da orelha. Como foi quando percebeu isso?
Estava uma confusão. Eu e meu filho fomos agredidos. Eu nem me dei conta de que estava sem o pedaço da orelha quando recobrei os sentidos. Estava meio abobado, sabe? Só ouvia uma gritaria em volta de mim falando da orelha, da orelha. Sei que uma pessoa pegou o pedaço da minha orelha e colocou em um copo com gelo, para tentar salvar. Eu nem sabia o que estava acontecendo, nem queria saber de orelha, queria saber se meu filho estava bem, porque ele também foi agredido. Como a gente não tinha sido socorrido ainda, eu saí andando, meio sangrando, e encontrei um amigo meu que me levou até o pronto-socorro de São João da Boa Vista. O médico limpou, me deu uma injeção para a dor e me encaminhou para um cirurgião plástico. Na sexta, já de dia, fui ao cirurgião em São João e ele me encaminhou para o HC (Hospital das Clínicas), em São Paulo. Eu levei o pedaço da orelha, mas não deu para implantar. Volto lá amanhã (hoje) cedinho para ver o que vai ser feito. Cirurgia plástica eu já ouvi dos médicos que custa entre R$ 25 mil e R$ 35 mil e eu não tenho condições de fazer isso particular. Vamos ver o que me falam. Enquanto isso, estou com o ferimento costurado, e nos antibióticos e anti-inflamatórios. Tive muita dor, os médicos falaram que devem ter cortado com algum objeto, porque o corte foi bem reto.
Além da dor, quais as outras sensações o senhor teve ao saber que tinha tido um pedaço da orelha cortado por acharem que o senhor era homossexual?
Eu estou assustado, meu filho e minha família também. Ele (o filho) mora com a mãe em São Bernardo do Campo e não quer nem falar com ninguém sobre isso. A gente não estava fazendo nada de mais. Ele viajou quase 300 quilômetros para vir para uma festa. A gente não sai de casa nunca na vida com essa maldade no coração, então não consegue nem imaginar o que leva essa gente a fazer isso.
Os agressores tinham bebido?
Nem acho que eles estavam alcoolizados, nada. Eles não devem gostar de homossexual, só isso, e fazem uma coisa dessas. Fico pensando: eu tinha abraçado meu filho para fazer carinho nele, matar saudade, fazia dois meses que a gente não se via. Mas agora nem saudade do filho a gente pode matar mais? Não em público, só em casa pelo jeito. E outra: eu não sou gay, meu filho não é gay, mas a gente não tem nada contra. E aí se a gente fosse? E quem é? Meu Deus, cada um faz o que acha melhor! Se a pessoa não tiver o direito de viver como ela acha que deve, o que a gente faz?


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